terça-feira, 24 de março de 2015

ÀS VEZES


Por desígnios da Natureza, o Equinócio deu-se e, assim de repente, a Primavera quer florescer, não se sabendo bem onde, neste recanto com mingua de canteiros.
E quantos terão visto o eclipse? Com o capacete que por aqui paira, o sol é uma metáfora. Mas, quantos se terão perguntado como isto tudo, não sendo do dono disto tudo, é tão profusamente natural, cósmico, universal? E no entanto, sendo-o, opta-se pela parte em vez do todo.
Aí, onde não há som nem gravidade, onde tudo permanece impassível seguindo a ordem natural, não chegam notícias dos eventos deste planeta e, mesmo que chegassem, não chegariam. O verdadeiro Universo é uma indizibilidade com as suas convulsões próprias que se desassemelham ao que se passa neste pequeno planeta que habitamos, poucas de origem natural, demasiadas de origem humana.
Vivemos atolados em nós, nos universos que edificamos, no histriónico que abafamos, no desprezo pela sorte que temos, quase sempre ingratos. E assim, neste nosso pequeno planeta onde, por vezes, se questionará a humanidade dos humanos, pequeno mundo cosmocêntrico, míope, que insistimos em mais o apequenar, enquanto a vida percorre as idades todas, uns aproveitando-a outros nem por isso.
Sobram palavras espalhadas pelo chão, desperdícios de vidas dos subúrbios de tantos lugares pintados de silêncios, tão óbvios quanto as omissões praticadas por gentes que vivem abertas dentro de aquários dourados, borbulhando intenções inconclusivas.
Isto é o mundo que nos rodeia, como a água rodeia ilhas e, apesar disso, há nesse mar uma frieza que arde na pele, como a indiferença do género humano, pontilhada aqui e ali por encontros e momentos onde a luz da empatia alumia bruxuleante e fugaz, projectos de esperança.
E no entanto, nada disto atinge o que quer que seja senão os próprios. Tudo o resto permanece ignaro, distante, impassível e indiferente. Porque tudo é uma subjectividade, uma relatividade e apenas isso.
Talvez a Primavera traga no vento sementes de vontades em tudo fecundar e, assim sendo, possam germinar realidades concretas que tragam a este lugar a fertilização das esperanças que tantos almejam, para que às suas vidas se acrescente alguma qualidade, felicidade maior que aquela que lhes é dado ter nesta urbe antiga e acolhedora.
Por ora, enquanto a esperança persiste, o governo prepara-se para anunciar as intenções das suas linhas de acção, enquanto poetas e escritores falam para uma audiência que se desejaria maior, não fossem outras concorrências levarem gente para outras bandas, perante a impassibilidade do todo.
Às vezes a Primavera é assim.

1 comentário:

  1. Uma Primavera muito cinzentona.
    E não estou a pensar só no tom do céu...
    Um abraço

    ResponderEliminar