terça-feira, 10 de março de 2015

DOIS ESCRITOS


1 VIVÊNCIA E CONVÍVIO 
António Conceição Júnior

São dois amigos meus, nenhum deles desta zona do mundo, que gostam desta cidade e de fruir o prazer do convívio, assim como que uma transferência de referências e interesses para outros planos, latitudes e longitudes, para retornar sempre a este lugar.
Macau é o apelo, o sortilégio que os faz regressar regularmente, prenhes de mundo e de olhos brilhantes de interesse por todas as poéticas que nos rodeiam e que, não poucas vezes, passam despercebidas aos olhos das gentes de aqui e de outros lados, quando imersas na cadeia produtiva do quotidiano.
Saboreio as horas que passamos juntos, fruindo da amizade e empatia que percorre a mesa e quem se senta nela. Um é fotógrafo de renome, o outro, com mais de setenta anos, antropólogo, estudioso das migrações espanholas. A conversa desfia por entre mundos partilhados, olhares complacentes para os distantes tempos da juventude, de mistura com a boa cozinha portuguesa de que eles tanto gostam.
A idade traz destas amizades que a distância apenas acentua pela qualidade da fruição.
As partidas e as chegadas mimam a própria mecânica da vida. Alegria à chegada, tristeza pela partida.
Cada reencontro é como um novo ciclo que se inicia, porque compartilhar memórias, experiências e diferentes vivências sempre enriqueceu. Foi também por isso, pela postura de abertura ao Outro, pela aceitação da diferença, que os Tang representaram o Renascimento chinês, numa altura em que a Europa ainda estava na Idade Média. Foi também por uma visão empreendedora que os americanos desenvolveram uma política de acolhimento para a excelência. Foi assim que I.M. Pei se tornou o arquitecto que é, com a sua pirâmide no Louvre ou, entre outros, o Centro de Ciência de Macau. Do mesmo modo, entre milhares de exemplos, António Damásio, neurocientista e autor do "Erro de Descartes", entre outros títulos, é professor na University of Southern California.
Recentemente, na R.P. da China, Álvaro Siza Vieira ganhou, de parceria com Carlos Castanheira, o prémio "Archdaily Building of the Year 2015" com o seu esplêndido trabalho em Huaian, o "Edifício sobre a Água".
E porque as palavras são como as cerejas e estas como as ideias, tudo se interliga e conota para se compreender que a excelência é, em si, também uma das formas pelas quais se expressa a qualidade de vida.
E se o convívio com aqueles homens bons me deixou um sabor acentuado a excelência, o pós-convívio acentuou-me a vontade de reflexão.
Tenho-me vindo a aperceber que se vem acentuando, em alguns sectores da vida do território, a arte de mimar, penso que a mesma é atribuível, muito provavelmente, à falta de capacidade de inovar. Esta tendência camaleónica, no óbvio sentido da imitação, não raras vezes termina em actos que recordam produtos contrafeitos.
Não sei se é ânsia em obter "sucesso de corista", como afirmou certa vez em Macau Eugénio Andrade, se é do déjà vu, mas circulam por aí, em alguns círculos da sociedade, ideias gastas, palavras compostas cujo único brilho vem do excessivo uso que se lhes dá.
Sabe-se que a cópia é das primeiras formas de aprendizagem. As crianças copiam os gestos, balbuciam as palavras que ouvem, procurando reproduzi-las, mais tarde fazem cópias de textos num processo de aquisição de conhecimentos que, supostamente, não deveria parar, sem tirar espaço à criatividade e à inovação. Mas, neste caso, julgo que tanto se pára como se regride sempre que se mima ou copia desorientadamente.
Felizmente, a par da cópia, também em círculos da sociedade civil, surgem exemplos de consubstanciação de qualidade, como é o caso da Rota das Letras. Este evento de grande importância cultural para todo o Macau, enquanto significante de criatividade, cultura e organização de qualidade, que junta as duas línguas oficiais de Macau bem como seus autores, faz convergir as atenções para as questões culturais que tão importantes são para a apreensão da Excelência.

2 DO ÓBVIO DA EXCELÊNCIA
A excelência constitui, por si, a mais perfeita forma de realização de um objectivo.
Olhando em redor, há que reconhecer que a proliferação inicialmente desordenada de casinos criou anti-corpos nas consciências mais críticas e exigentes. Porém, uma reflexão mais aprofundada e despida de preconceitos leva-me à conclusão de que os seus hotéis, restaurantes e serviços representam o paradigma de qualidade pelo qual se deveria reger toda a actividade do Território. Isto é, por vezes o óbvio está tão à nossa frente que nos escapa.
A qualidade do serviço, do bilinguismo ou trilinguismo disponível, a vinda de experimentadíssimos gestores que seleccionam os melhores quadros intermédios entre locais bilingues ou na região administrativa especial vizinha, tornam-se incontornáveis exemplos de excelência, porque os padrões que regem esta área de prestação de serviços tem normativos e exigências que colocam os funcionários destes serviços num nível de comportamento e treino acima da norma de Macau.
Sendo incontestável paradigma de gestão, de serviço ao cliente, de higiene, de exigência e de salários atractivos, a excelente hotelaria de Macau - inevitavelmente associada aos casinos - sua restauração e serviços de suporte, bem podem servir de exemplo para a qualidade de serviços em Macau e consequente aumento da qualidade de vida.
E isso aplica-se também na organização de eventos ao nível do que de excelente há no entretenimento, como House of Dancing Water ou Cats, inúmeras novas salas de cinema ou, a nível do desporto, com combates de boxe organizados dentro dos parâmetros do Showbiz americano e eventos culturais como a instalação de Joana Vasconcelos, que só encontram paralelo na organização local do Grande Prémio, sob a cuidadosa supervisão da F.I.A. e do Festival Internacional de Música de Macau.
Perante a excelência dos serviços aludidos, ocorre prontamente a necessidade de valorizar e elevar em muito a qualidade dos serviços locais, sejam da Função Pública ou do sector privado.
Assim, ocorre-me que seria extraordinariamente útil para Macau, que se criassem cursos no I.F.T. no âmbito da gestão de recursos humanos, de apresentação, comportamento e boas maneiras, destinado não ao pessoal da chamada Linha da Frente, que merece todo o aplauso, mas ao nível das pequenas e médias chefias cuja ascensão à compreensão dos mecanismos e lógicas da gestão e dos recursos humanos em muito iriam beneficiar o Território e a eficiência não apenas dos serviços públicos mas também privados.
Se revisitarmos a qualidade dos táxis e do modo como os condutores trajam e se comportam - 352 casos autuados na primeira semana do ano - fácil é compreender que, em conjunção com os autocarros, e com as baixas percentagens gastas dos orçamentos espelham o baixo nível de educação e a baixa qualidade de vida existente, se comparados com o geral da realidade do know how da hotelaria e restauração de qualidade.
Factualmente, é incontornável que os melhores hotéis de Macau representam a qualidade das instalações, do serviço, da eficiência, e da necessidade de uma auto exigência. Porque este parece ser o modo como se poderá fazer a valorização do funcionalismo público, do respeito interno pelo direito ao conforto e à limpeza.
Tudo isto faz também parte da expectável qualidade de vida de Macau, a Excelência em tudo, para a eliminação de diferenças.
Tal significa também, e inerentemente, que há que implementar ou fazer cumprir todo o tipo de legislação ao nível do acolhimento, higiene de todos os serviços em Macau.
A qualidade que se espera e deseja, exige uma completa e profunda valorização de toda a vida citadina, que se não compadece, por exemplo, com os despojos que certos restaurantes lançam para a rua. Educação cívica precisa-se.
Voltando à Excelência, mesmo com o previsível preconceito do jogo, é preciso reconhecer que removido este da nossa mente, se poderão reconhecer paradigmas à mão de colher e de semear. 

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