Foi Confúcio (551 - 479 AC), ainda na mesma dinastia, através da sua formulação do conceito de Homem Superior, o verdadeiro Homem Nobre, Jün Zi, 君子, em alternativa à mera nobreza de sangue, quem consolidou a fórmula dos exames imperiais para acesso à classe dos burocratas, futuramente designados por Mandarins. Poderiam vir de todos os cantos do império, mas teriam de saber de cor os Quatro Clássicos para se candidatarem à ambicionada carreira do Mandarinato, composta por aqueles que Confúcio definiu como Homens de Mérito.
Se o foram não se poderá afirmar nem confirmar, já que as autobiografias e outras grafias têm esse objectivo de adulterar verdades, mas desde pequeno que ouço a expressão chinesa "olhar a cadeira antes de tudo", que é como quem diz, "proteger o seu lugar".
Ora sucede que o conhecimento, mesmo que aprofundado, dos Clássicos, não outorgava aos mandarins conhecimentos mais do que generalistas.
Os mandarins de graus mais baixos eram os mais propensos, querendo ascender, a olhar pela sua "cadeirinha" de pequeno poder, generalistas que eram, incultos para lá dos Clássicos e da caligrafia, indiferentes ou ignaros do gosto pela astronomia que Qianlong alimentava. Muitos deles, pertencentes já aos graus que lhes permitiam frequentar a corte dos Ming, detestaram a presença de Matteo Ricci e, mais tarde, com os Qing, foi Castiglione o alvo, porque ambos eram diferentes, cultos e porque lhes podiam fazer sombra. Nada de novo sob o céu.
Curiosamente, Qianlong gostava de conversar e ouvir Matteo Ricci, o que era causa de considerável desconforto naquele grupo anquilosado, que tradicionalmente cultivava o servilismo, cumprindo farisaicamente os Ritos, além do cuidado com os seus guanxi.
Tais práticas, contrárias à definição confucionista de Homem Superior, iriam necessariamente conduzir ao desgoverno do Império do Meio, tal a confusão que reinou por debaixo do manto da Paz e Harmonia. O exército tornou-se obsoleto, e a própria Cixi, imperatriz Regente, usou caprichosamente o orçamento da marinha para construir o Yihe Yuan, o Palácio de Verão, com o seu famoso barco de mármore.
Tempos de decadência, esses, em que a Regente insistia em ignorar que o seu povo estava minado pelo estupefaciente vendido pelos bárbaros e que teve, como consequência, a cedência de território após duas humilhantes Guerras do Ópio.
As ideias republicanas do Ocidente, trazidas por Sun Yat Seng, agitaram as águas dos patriotas e propiciaram à inevitável queda dos Qing, para que uma outra estrutura se pudesse erguer e, dando lugar à longa marcha, finalmente, fazendo recuperar o orgulho, a riqueza e o prestígio da nação, hoje aberta como no tempo do Renascimento Tang (618 - 907), quando estudantes de Confúcio, oriundos da Coreia e do Japão puderam, eles também, ser funcionários em Chang An.
Sempre que vícios antigos, casados com a ignorância – esse não saber que não se sabe –ressurgem, a tentação dos que cuidam das suas cadeirinhas e dos seus pequeninos poderes, sem conhecimentos tanto dos velhos Clássicos como do pensamento contemporâneo, é a de vestirem os mantos da conveniência para ocultar insuficiências abundantes.
Hoje sabe-se quão anacrónico é o mandarinato e sua bafienta burocracia, aliada da velha máxima "se nada fizeres, nenhum mal te acontecerá", causadores do enfraquecimento do país.
E no entanto, ignorando-os, a terra gira, o mundo pula e avança, e tudo acontece sem que, no seu pequeno mundo, dêem sequer por isso.
Aprendida a lição do Passado, é imperativo que, sem guanxis, seja o mérito, a competência e a eficiência a presidirem ao Presente.
Estou certo que o virtuoso Zheng Guanying, Mandarim e autor de Shengshi Weiyan (Advertências em Tempos de Prosperidade), antigo dono da hoje chamada Casa do Mandarim, concordaria.
Uma reflexão que se pode aplicar noutras latitudes de tão universal que é.
ResponderEliminarGrande abraço
Muito obrigado caro amigo.
EliminarGrande abraço