terça-feira, 14 de abril de 2015

AUTENTICIDADE


As férias são salutares. Retiram-nos da obssessiva repetição do quotidiano, da urbano-fagia que assalta sobretudo os que têm consciência da importância do ócio no sentido não apenas do lazer, mas do tempo dedicado ao pensamento e à reflexão enquanto alternativa ao trabalho, apesar de estarmos às portas da era robótica.
Pequenas férias servem para curtas viagens, em busca de paraísos para o espírito e, porque não, para o corpo. E se há férias e paraísos, conjugemos também aspectos culturais que satisfaçam algumas outras aspirações. 
Hôi An fica praticamente a meio, em termos de latitude, do Vietname, virada para oriente.
António de Faria, um português, tinha de passar pelo Vietname, mais propriamente por Danang, em 1535, onde tentou estabelecer um entreposto. Por seu turno, o Senhor de Nguyen, de sua graça Nguyen Hoàn, decidiu fundar Hôi An em 1595. No século XVIII Hôi An era considerado por chineses e nipónicos como o melhor destino para o comércio em todo o Sudeste Asiático.
A cidade tornou-se proeminente como um poderoso ponto exclusivo de permutas entre a Europa, China, Índia e Japão, especialmente para a cerâmica.
Em 1999 a velha cidade foi declarada Património Mundial da Humanidade pela Unesco.


A cidade converteu-se num ponto de demanda turística. Toda a velha cidade está preservada, rodeada de hotéis boutique ou de "resorts" que capitalizam do clima e do turismo que busca a comida e a velha cidade tão igual ao que sempre terá sido, dotada de uma arquitectura híbrida, fruto de encontros de culturas, onde predomina o ocre tão comum à velha Macau.
Toda a velha cidade transpira autenticidade, essa genuinidade natural que vem do fundo da alma. Fazem-se estranhos rituais às portas das casas tornadas lojas. Lança-se arroz ao chão e  uns grãos multi-colores. Acendem-se paus de incenso, reza-se com brevidade, queimam-se papéis aos montes em recipientes apropriados. Depois varre-se o que se sujou, um sorriso nos lábios, uma pureza de alma. 
Ali mesmo ao pé uns seis ou oito idosos vestidos de cinzento claro passeiam em grupo, agarrados uns aos outros.
O dinheiro não é tanto assim para que se tenham convertido à arrogância. Pelo contrário, os sorrisos são genuínos, o civismo é muito e o cuidado maior. Ainda se vive numa velha cidade com hábitos comunitários, apesar de invadida por estrangeiros. 
Velhas casas magníficas, pelo que têm de autêntico, tornadas restaurantes, oferecem não apenas comida vietnamita mas também simpáticos cursos de culinária. E então, quando o comércio encerra e os produtos são retirados, as ruas e as casas resplandecem ainda mais pelo seu integral regresso às origens.
Num hotel, Thuy é uma das empregadas. Tem malares de homem, dentes grandes, usa o cabelo enrolado dentro de uma rede. Não sei se lhe sei a idade. Quarenta, talvez.  Confessou que era de Hôi An, num bom inglês, entre um "good morning sir" e "you want coffee or tea?".  Quase toda a gente fala inglês ou então opera este milagre de saber comunicar de uma forma ou de outra. 
Vi gente de todas as idades dedicada às mais diversas formas de comércio, do mercado ao restaurante, dos souvenirs aos "bric a brac", passando pelas inevitáveis e muito proclamadas lojas onde o visitante poderá fazer roupa. 
No rio, os barcos levam turistas a olhar a paisagem. Os táxis, limpos, são conduzidos por motoristas fardados. Os guias turísticos, plenamente identificados pelo seu cartão, falam as mais diversas línguas. São parcos nos preços. Pode-se ir a Hué sem nos sentirmos espoliados.
Esta cidade possui algo que os americanos nunca conseguiram excisar: dignidade e genuinidade. Muita da sua gente apenas possui bicicletas e motociclos, mas entendem-se entre si e com os automóveis. 
Este Vietname é de gente modesta e digna, como aquele senhor de certa idade, que levando na mão um balde de tinta para retocar uma parede do hotel me disse com um sorriso bondoso  "good day sir, good luck to you".
Existe em Hôi An uma ponte construída pelos japoneses, cuja forma obedece à cultura local. 
No regresso, fiquei ainda mais convencido que sempre que um ser humano toca outro torna-se um verdadeiro construtor de pontes.


1 comentário:

  1. Esta semana é a segunda pessoa que me aconselha este destino.
    Aqui ao pé de Macau, é óbvio que vou experimentar logo que a oportunidade surja.

    ResponderEliminar