terça-feira, 16 de junho de 2015

DO AROMA AO PERFUME


Viemos de um outro tempo em que o que nos era mais caro era a sinceridade. Inocência dos tempos da juventude e, possivelmente, de muita ingenuidade. Vivíamos um tempo que a si mesmo se dava generosamente mais.
Tal como agora, havia acácias, árvores de polpudas flores de cor de romã que se estatelavam no chão, soltando fibras que semelhavam algodão, pairando no ar. Projectavam sombras frondosas enquanto os triciclos nos traziam frescas brisas e a barraca de pesca permanecia na meia-laranja.
No ar pairavam aromas tantos, misturas indiscerníveis, metáforas do que são os macaenses, nação de singularidades, de indivíduos multilingues que por aqui permanecem ou pelo mundo se espalharam em diáspora.
Há trinta ou mais anos, disse que o que fazia a diferença em Macau do resto da China era a existência de uma comunidade que tinha conseguido, pela genética, legitimar a fugaz presença portuguesa, configurando-se, ela sim, como embaixadora, usufrutuária e portadora da Portugalidade.
Saltando o desfiladeiro das décadas, é grato constatar que desde a Transição, a República Popular da China encontra em Macau a mais adequada plataforma para a relação com os Países Lusófonos.
Macau sempre foi, de forma inexplicável, um sortilégio que por aqui nutriu as raízes, não apenas de tantos portugueses aqui radicados ad aeternum, como de chineses que por aqui se instalaram, provenientes de províncias diversas.
A nós, portugueses e luso-macaenses, é-nos requerido que saibamos encontrar e emanar a essência da singularidade, para que o aroma se transmute em perfume singular para o Lótus de Macau.
A cada um de nós, de origem vária, diversa e dispersa, cumpre-nos ser a diferença. Que fiquem para trás os tiques de outros mundos que a este não pertencem. Que nos afirmemos pela qualidade, pela natural capacidade de nos misturarmos, em vez de nos atermos a refúgios de círculos fechados.
Macau é, deve ser, sobretudo, um espaço para relações singulares, sempre pronto ao reatamento.
A idade tem destas coisas, potencia o tempo distante e traz a cada reencontro a certeza de que, aos Amigos de verdade, Macau nunca lhes é indiferente.
À medida que o tempo passa, os aromas ou se apuram ou se decompõem.

1 comentário:

  1. Uma reflexão que os jovens macaenses que agora se encontram reunidos em Macau deveriam ler com atenção.
    Para depois viver.

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