As crises ou "ajustamentos" que ciclicamente
têm assolado a história da economia de Macau tomam agora algum corpo com as
opiniões de sectores da população sobre a distribuição dos cheques de comparticipação
pecuniária.
Desde há muitas décadas que o orçamento do Território tem
tido como seu grande pilar os jogos de fortuna e azar.
Em 1937, Kou Ho Neng e Fu Lou Yong criaram a "Tai
Hing", que ganhou o exclusivo do jogo e teve no hoje vetusto e anacrónico
Hotel Central não só o centro do jogo em Macau como também o do entretenimento,
fosse o restaurante de comida chinesa com ópera à hora do meio-dia, fosse o
salão de dança, hoje apenas habitado pelos fantasmas da memória.
Em 1962 Stanley Ho, Henry Fok, Yip Hon e Teddy Yip
ganhavam o monopólio do jogo.
Progressivamente, o governo de Macau ia beneficiando, com
cada renovação do contrato de jogos, de maiores fundos. Simultaneamente, os
velhos ferries Tak Shing, Tai Loi e Fatshan, pertença da Tai Hing, eram
substituídos por hidroplanadores e, mais tarde, por jactoplanadores, propriedade
da S.T.D.M. Faz parte dos primórdios da concessionária o agora tão falado Hotel
Estoril, dos anos 1960, seguindo-se-lhe o Hotel Casino Lisboa, nos inícios dos
anos 1970.
Aos poucos, as fábricas de têxteis iam fechando, as
quotas de exportações iam-se dissolvendo com a abertura de indústrias do outro
lado da fronteira, e a cidade mantinha-se, apesar disso, reconhecível na sua
forma de vida.
Macau ficou, desde então, dependente do jogo como
principal indústria, uma fórmula que chamo de Princípio do Flamingo, ave que
repousa sobre uma perna, porque a economia do Território dependia e depende,
praticamente em exclusivo, dessa actividade.
Com a sua liberalização, os valores envolvidos na
primeira década e meia de operações romperam todos os recordes, colocando Macau
como capital mundial do jogo e enchendo os cofres do governo de montantes
inauditos. É a febre e a excitação de uma cidade que se vê catapultada para os
máximos de lucros e de visitantes, mais se reforçando a indispensabilidade do
Princípio do Flamingo na economia local.
Numa escassa década e meia, a transformação de Macau é
absolutamente radical, afirmação porventura LaPallissiana, mas nem por isso menos
verdadeira.
E é aqui que entra o termo diversificação, numa economia
que, após a ascensão já sabida, se procura ajustar, segundo os especialistas,
sendo que, mesmo com ajustamentos, ainda proporciona elevadíssimos lucros, se
comparados com o período pré-liberalização.
Sucede que num cenário destes, em que quase todos os
recursos e formatações se viraram para o jogo, a diversificação, a existir, não
poderá contar com parceiros mais bem preparados que as próprias operadoras.
Esquecê-las é um erro, pensar que se pode diversificar sem elas é outro,
porquanto a sua expansão e sobrevivência requer isso mesmo.
Teria sido interessante que, desde logo, se tivesse
compreendido as potencialidades das operadoras no que toca ao seu know how no capítulo da gestão de recursos
humanos, de operações, e pudessem estar integradas nos contratos cláusulas que
envolvessem estágios para quadros, no que diz respeito a direcção e gestão em
geral. Poderá parecer, à primeira vista, impraticável, contudo a formação de
quadros em empresas privadas ofereceria uma experiência muito qualificada.
A diversificação económica exógena à participação das
operadoras afigura-se quase impossível, como também pensar em Macau como Centro
Mundial de Turismo e Lazer é pura utopia, enquanto não se encontrarem soluções
viáveis e moralizadoras das diversas maleitas que inquinam a qualidade de vida.
Isto é, como pode existir um Centro Mundial de Turismo e Lazer quando o
trânsito e consequente poluição são o que são, quando a cidade no seu todo é um
pejamento desordenado, quando os objectivos passam ainda pela oferta de 14 mil
habitações e especulação imobiliária, ou quando da nobreza do centro da cidade
uma antiga barbearia é subtraída em favor de uma vulgar joalharia ou uma
tabacaria histórica por outra banalidade idêntica numa progressiva e
avassaladora erradicação de tudo o que conferia identidade própria a Macau.
Pergunto-me, assim, se o Território tem capacidade para
definir, esclarecer e operar esse objectivo de se configurar num Centro Mundial
de Turismo e Lazer.
Para já o que prevalece é, seguramente, o Princípio do
Flamingo.
O discurso é um, a prática o oposto.
ResponderEliminarPorque a realidade o que nos mostra, cada vez mais, é o flamingo.
Não a apregoada diversidade.
Essa esgota-se no discurso oficial.
excelente apontamento; a merecer reflexão! abr
ResponderEliminar