terça-feira, 2 de junho de 2015

O PRINCÍPIO DO FLAMINGO


As crises ou "ajustamentos" que ciclicamente têm assolado a história da economia de Macau tomam agora algum corpo com as opiniões de sectores da população sobre a distribuição dos cheques de comparticipação pecuniária.
Desde há muitas décadas que o orçamento do Território tem tido como seu grande pilar os jogos de fortuna e azar.
Em 1937, Kou Ho Neng e Fu Lou Yong criaram a "Tai Hing", que ganhou o exclusivo do jogo e teve no hoje vetusto e anacrónico Hotel Central não só o centro do jogo em Macau como também o do entretenimento, fosse o restaurante de comida chinesa com ópera à hora do meio-dia, fosse o salão de dança, hoje apenas habitado pelos fantasmas da memória.
Em 1962 Stanley Ho, Henry Fok, Yip Hon e Teddy Yip ganhavam o monopólio do jogo.
Progressivamente, o governo de Macau ia beneficiando, com cada renovação do contrato de jogos, de maiores fundos. Simultaneamente, os velhos ferries Tak Shing, Tai Loi e Fatshan, pertença da Tai Hing, eram substituídos por hidroplanadores e, mais tarde, por jactoplanadores, propriedade da S.T.D.M. Faz parte dos primórdios da concessionária o agora tão falado Hotel Estoril, dos anos 1960, seguindo-se-lhe o Hotel Casino Lisboa, nos inícios dos anos 1970.
Aos poucos, as fábricas de têxteis iam fechando, as quotas de exportações iam-se dissolvendo com a abertura de indústrias do outro lado da fronteira, e a cidade mantinha-se, apesar disso, reconhecível na sua forma de vida.
Macau ficou, desde então, dependente do jogo como principal indústria, uma fórmula que chamo de Princípio do Flamingo, ave que repousa sobre uma perna, porque a economia do Território dependia e depende, praticamente em exclusivo, dessa actividade.
Com a sua liberalização, os valores envolvidos na primeira década e meia de operações romperam todos os recordes, colocando Macau como capital mundial do jogo e enchendo os cofres do governo de montantes inauditos. É a febre e a excitação de uma cidade que se vê catapultada para os máximos de lucros e de visitantes, mais se reforçando a indispensabilidade do Princípio do Flamingo na economia local.
Numa escassa década e meia, a transformação de Macau é absolutamente radical, afirmação porventura LaPallissiana, mas nem por isso menos verdadeira.
E é aqui que entra o termo diversificação, numa economia que, após a ascensão já sabida, se procura ajustar, segundo os especialistas, sendo que, mesmo com ajustamentos, ainda proporciona elevadíssimos lucros, se comparados com o período pré-liberalização.
Sucede que num cenário destes, em que quase todos os recursos e formatações se viraram para o jogo, a diversificação, a existir, não poderá contar com parceiros mais bem preparados que as próprias operadoras. Esquecê-las é um erro, pensar que se pode diversificar sem elas é outro, porquanto a sua expansão e sobrevivência requer isso mesmo.
Teria sido interessante que, desde logo, se tivesse compreendido as potencialidades das operadoras no que toca ao seu know how no capítulo da gestão de recursos humanos, de operações, e pudessem estar integradas nos contratos cláusulas que envolvessem estágios para quadros, no que diz respeito a direcção e gestão em geral. Poderá parecer, à primeira vista, impraticável, contudo a formação de quadros em empresas privadas ofereceria uma experiência muito qualificada.
A diversificação económica exógena à participação das operadoras afigura-se quase impossível, como também pensar em Macau como Centro Mundial de Turismo e Lazer é pura utopia, enquanto não se encontrarem soluções viáveis e moralizadoras das diversas maleitas que inquinam a qualidade de vida. Isto é, como pode existir um Centro Mundial de Turismo e Lazer quando o trânsito e consequente poluição são o que são, quando a cidade no seu todo é um pejamento desordenado, quando os objectivos passam ainda pela oferta de 14 mil habitações e especulação imobiliária, ou quando da nobreza do centro da cidade uma antiga barbearia é subtraída em favor de uma vulgar joalharia ou uma tabacaria histórica por outra banalidade idêntica numa progressiva e avassaladora erradicação de tudo o que conferia identidade própria a Macau.
Pergunto-me, assim, se o Território tem capacidade para definir, esclarecer e operar esse objectivo de se configurar num Centro Mundial de Turismo e Lazer.
Para já o que prevalece é, seguramente, o Princípio do Flamingo. 

2 comentários:

  1. O discurso é um, a prática o oposto.
    Porque a realidade o que nos mostra, cada vez mais, é o flamingo.
    Não a apregoada diversidade.
    Essa esgota-se no discurso oficial.

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  2. excelente apontamento; a merecer reflexão! abr

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