Uma folha
quando cai do ramo
retorna às raízes.
Provérbio chinês
Desde a Edénica macieira, antiga, enorme e frondosa, à Sephirot,
a árvore da vida do judaísmo esotérico que, organizada em três colunas,
representa as divinas emanações da criação de deus (ex nihilo), cuja natureza transcende a da macieira no que tem de
construção simbólica: a natureza da divindade revelada, a alma humana e o
caminho espiritual para a ascensão do homem.
Terão sido os chineses a criar, há quinze séculos, aquilo
que chamamos de árvore genealógica. Deixavam escrito no mesmo caderno de
família, guardado no templo da aldeia natal, o registo de todos os nascimentos
através dos séculos, indicando os parentescos em que são tão confucianamente
precisos, e a mobilidade ancestral.
Abrem-se milenares árvores, numa abundância de ramos,
nascidos de poderosos troncos, prenhes de seiva percorrendo o frondoso
emaranhado nascido do tempo. Em cada árvore se manifesta o ciclo da vida. Na sua
imobilidade e enorme vitalidade, que nos transporta para a metáfora da
existência e nos remete para a reflexão da razão, a árvore incorporou a
presença da divindade.
E como diz o provérbio chinês, quando da copa da frondosa
árvore da vida se destaca um folha, ela retorna às suas raízes, essa outra copa
submersa que, sustentando a visível, existe e sem a qual tudo feneceria.
Neste ciclo, ocorre-me a árvore criada pelo imaginário de
James Cameron no filme "Avatar", uma obra que segue de perto a pista
deixada por "Matrix" de Lana e Lawrence Wachowski, onde a mente
protagoniza no imenso império da ilusão.
Nessa imensa árvore, réplica da macieira e, porque não,
da Sephirot, estabelece-se uma outra premissa, o Tempo, a adicionar às três
dimensões com que habitualmente lidamos.
Será a incomensurabilidade deste Tempo ("deve ser o
antepassado dos deuses") o invisível e inominável nome de deus? Sendo
inominável, apenas nos resta o acto de intuir, de compreender que a essência
não reside na ilusória realidade do mundo que conhecemos, mas, antes, na
indizível linguagem que se não pronuncia?
Assim, a árvore significa a intrincada dimensão da
divindade, da ancestralidade, do amplexo enorme, frondoso.
Não deixa de ser curioso como as lendas das manifestações
divinas se associam a árvores, arbustos em chamas, ou como em Fátima é a
azinheira o púlpito da aparição, ainda Matrix ou Avatar não tinham sido
pensados.
E nesta mobilidade enclausurada pela obscuridade a que a
humanidade está votada, é imperioso proteger a árvore, mesmo
que a ignorância já impere, atolada nos meandros de si mesma, embrenhando-se
cada vez mais na esterilidade do breu, malefício do mal, prado onde os ignaros
se agigantam com pernas de girafa, pastando ousadias.
E, assim, o mal subsiste pela ignorância. E o bem,
maniqueisticamente falando, busca ansiosamente a aspiração de uma essência
(quase) inatingível, face aos malefícios da ilusão, que provocam nos sentidos
dos que prosseguem o difícil trilho do conhecimento.
E enquanto as sombras pairam, o verdadeiro retorno à raíz
apenas sucede às folhas que tenham aspirado tal aroma. O resto é apenas
gravidade.
Leia Mia Couto, "À beira de nenhuma estrada e outros contos".
ResponderEliminarEspecialmente um conto que a esposa convivia com a amante do marido.
Que, afinal, era apenas uma árvore.
Aquele abraço