Conheci Virgínia
Or há alguns anos e sempre encontrei um genuíno e caloroso sorriso.
Estranhamente,
ou talvez não, Macau parece ser grande, porque raramente nos encontrávamos, mas
a empatia pode juntar as pessoas.
Virgínia sempre me
suscitou curiosidade. Sou curioso acerca de pessoas que me tocam. Virgínia é
natural de Macau, mas muitos dos seus amigos não são. Observei, com atenção, a
naturalidade da sua abertura ao outro. Soube que se havia licenciado em
filosofia pela Universidade de Seattle e regressado a Macau há 15 anos.
Trabalhou no Instituto Cultural. Depois, saiu mais uma vez e escolheu Lisboa para
viver, na típica Alfama, onde trabalha como freelancer
em eventos e performances. A minha
curiosidade sobre pessoas leva-me a inquirir o que as leva a fazer algumas
escolhas, o que é que as atrai.
ACJ: Virginia, tendo nascido em Macau, o que a levou a um lugar tão
distante como Seattle, e porquê filosofia? Macau não preenchia as suas aspirações?
V.O.: Depois de
terminar a escola secundária em Macau, e à semelhança dos meus colegas, procurámos
continuar a nossa educação universitária noutro lugar. As universidades de Hong
Kong, à época, eram de difícil acesso. Tentámos em vários lugares e, no meu
caso, um colégio da comunidade em Seattle aceitou o meu pedido. E assim, após
dois trimestres de estudos na melhoria do inglês, fui admitida na Universidade
de Seattle. O sistema de ensino era bastante livre nos Estados Unidos e nós
temos de mudar de curso várias vezes. Influenciada por alguns professores
recém-graduados nessa altura, que verdadeiramente gostavam e eram entusiastas do
ensino da filosofia, continuei a ir a mais e mais aulas e no final concluí o
curso de filosofia. Nesse tempo e idade, vinda de uma pequena sociedade um
tanto fechada como Macau, antes da popularidade da internet, nós tentávamos compreender
muitas coisas pelo pensamento e pela ida física aos lugares: o ambiente, as questões
sociais, as relações raciais, o nosso tempo, como nós pensávamos sobre as
coisas... Nesse sentido, talvez sim, Macau não tinha o espaço psicológico para
nos oferecer a oportunidade de ampliar os nossos horizontes de pensamento,
antes propício a cristalizar as nossas aspirações.
ACJ: Reparei que muitas das suas relações em Macau envolviam amigos
não-chineses e agora, suponho, em Portugal, também. O que a levou a atravessar
a ponte para uma cultura e ambiente diferentes?
V.O.: A ponte é "atravessada"
ou "está a ser atravessada" a partir do momento que saímos fora do
nosso ambiente de casa e da nossa zona de conforto e entramos no espaço de
tentar compreender os outros. Ao conhecer pessoas de diferentes lugares, elas como
que trazem o mundo até nós, para mais perto de nós. Ainda
há muito a aprender.
ACJ: A curiosidade
é minha. Existe alguma diferença entre jovens chineses e não
chineses entre os seus amigos?
V.O.: Acho que a
diferença não é tanto a cultura ou raça, mas a educação social e a consciência
cultural. Encontro o mesmo tipo de jovens em todas as sociedades e culturas que
conheci, que não são muito abertos a pessoas de diferentes ambientes e
culturas, e que estão mais interessados no mainstream,
como a sua própria segurança, status social e bons empregos, o que é uma escolha... mas também
encontro outros que estão abertas à diversidade e às mudanças, para si e também
para os outros. Por isso, acho que as pessoas, jovens e velhos, sem viajar e
conhecer culturas, outras que não a sua própria, têm mais dificuldade em estarem
abertos à diferença.
ACJ: Na sua perspectiva, o que é que diferencia os filósofos chineses dos
seus colegas ocidentais e quais as
principais diferenças culturais?
V.O.: A minha
universidade só oferecia estudos de filosofia ocidental, a única genealogia do
pensamento que aprendi. Mas porque, por educação cultural e etnia, sou chinesa,
descobri intuitivamente que algumas premissas na forma de análise, pontos de
partida para iniciar os trabalhos, não se aplicavam à nossa mente oriental, ou
talvez para formas de pensar que se
aproximam e inclinam no sentido do pensamento oriental. Nesse sentido, é mais
difícil de fundir os dois.
ACJ: O que a fez escolher Lisboa, entre tantas cidades na Europa? E depois Alfama... estou
verdadeiramente curioso.
V.O.:Porque nasci em
Macau antes da transferência de soberania, então, naturalmente, sou Portuguesa
de nascimento. Lisboa faz-me sentir em casa. A forma como a cidade velha se
estende para fora, alguns edifícios, as ruas em calçada, a suave inclusão, o calor
e sentido de humor das pessoas, bem como, hoje em dia, a diversidade, são acrescentos
ao sabor do lugar. A nostalgia atraiu muitos, eu incluída, para os bairros antigos
de Lisboa, como Alfama, Mouraria ou Graça, entre outros. Sinto-me, simplesmente,
mais segura entre as coisas antigas do que entre as mais novas.
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