Isabel Machado não é uma estranha a Macau. Muito pelo contrário, aqui trabalhou na TDM entre 1989 e 2000, tendo sido igualmente professora de português no ensino secundário e de português como língua estrangeira, em Lisboa
Regressou a Portugal no final de 2000. Depois de oito anos a trabalhar no Canal Parlamento, na Assembleia da República, em 2012 lançou o seu primeiro romance histórico ISABEL I DE INGLATERRA E O SEU MÉDICO PORTUGUÊS. Seguiu-se VITÓRIA DE INGLATERRA, A RAINHA QUE AMOU E AMEAÇOU PORTUGAL. Sempre na mesma editora, A Esfera dos Livros, Isabel lançou o seu terceiro romance histórico, CONSTANÇA A PRINCESA TRAÍDA POR PEDRO E INÊS, em 2015 e, recentemente, a sua última obra, A RAINHA SANTA.
Pelas redes sociais pude aperceber-me do primeiro, depois segui o percurso do segundo e, finalmente, comprei o terceiro cujo conteúdo saboreei.
Na sua breve visita à RAEM, foi possível conversarmos sobre alguns aspectos do seu percurso como autora de romances históricos.
Isabel quais as suas impressões de Macau depois de 10 anos de ausência?
As minhas impressões de Macau são sempre, em primeiro lugar, emotivas. Desta vez não foi diferente. A estranheza pelo excesso de construção, de gente nas ruas ou de ruído foi muito rapidamente subjugada pelo encanto de voltar a casa, é sempre um voltar a casa, do odor característico e de que sempre gostei, da textura. Macau é, para mim, uma sensação física de textura, que é boa porque é familiar, mesmo que não goste nada da humidade... Sobrepõem-se muito rapidamente as sensações boas, as recordações maravilhosas prolongadas no presente porque tudo mudou mas há uma constância surpreendente também, pelo menos no mundo português de Macau. E há os amigos que são o melhor de tudo. É por eles que voltarei sempre. São as pessoas e o que vivemos com elas que fazem os sítios e as memórias e o mais emocionante do regresso é senti-los aqui, no mesmo sítio onde estavam há 10 anos, isto é, sem que o tempo beliscasse a nossa intimidade, a cumplicidade que vivemos juntos num tempo muito marcante.
A Isabel Machado começou por chamar a atenção de quase todos os telespectadores da TDM pela sua beleza física. Porém o tempo deu a conhecer uma mulher sensível, delicada e inteligente. Sente que a beleza física pode ser um anátema?
Pode. Porque há uma pré-avaliação que, idealmente, nunca deveria ser feita sobre os outros. E essa avaliação imediata, que se sobrepõe a qualquer critério racional sobre a pessoa em causa, é, muitas vezes, injusta e preconceituosa. Quem é, num primeiro momento, avaliado pela aparência tem sempre de provar mais do que os outros. Mas, claro que não é tudo mau. A beleza também pode abrir portas.
Como é lidar com o êxito, com os sucessivos lançamentos? Já estão na calha outros romances?
Não sei se posso chamar êxito. É muito importante para mim que o que escrevo chegue às pessoas, nunca me esqueço que estou a contar uma história às pessoas e isso é que é uma sensação extraordinária, saber que vamos partilhar muitas horas de muitas vidas de que não sabemos nada, mas a quem podemos levar encanto, conhecimento, desfrute, alheamento dos problemas ou das tragédias que as afligem. Os leitores escrevem-me coisas muito bonitas, eu gosto de críticas construtivas também, mas de tudo o que já me disseram o que mais me emocionou foi uma carta escrita à mão, enviada por uma jovem, aluna de Mestrado de Literatura, que me disse: os seus livros curam. Isto abalou-me profundamente. Esta jovem tinha estado com um problema grave, internada durante muito tempo e, por acaso, foi um dos meus livros que a acompanhou na fase mais crítica. Saber que aquela história lhe levou esperança ou a fez afastar-se da gravidade da sua situação durante umas semanas foi uma coisa que nunca esquecerei. Sim, já comecei a trabalhar num novo livro, não necessariamente um romance, desta vez...
Como surgiu na sua escrita o romance histórico, e quanto de investigação cabe em cada obra e quanto de criação nela se incorpora?
Surgiu por acaso, como quase tudo tem acontecido na minha vida. Através de um amigo de há muitos anos, recebi um desafio de uma editora, A Esfera dos Livros, para fazer um romance histórico sobre um tema da minha escola. Disse logo que sim. Sempre gostei de escrever, a minha área de formação é a literatura não o jornalismo, ao contrário do que muitas pessoas pensam, sempre adorei História também e achei imediatamente que me sentiria bem naquele registo. Mas foi brutal. Chegava a acordar sobressaltada a meio da noite a pensar na loucura em que em tinha metido e isto só passou a partir do terceiro romance!
A investigação é fundamental e é sempre a primeira parte do trabalho, embora nunca a abandone totalmente, mesmo quando já estou em pleno na escrita. Passo meses inteiros a estudar, a pesquisar documentos, cartas, se as houver, livros, testamentos, tudo é importante. Para ser credível, a ficção histórica tem de estar assente numa boa pesquisa e não estou a falar apenas dos factos. Falo de tudo. Dos costumes, da alimentação, do vestuário, do mobiliário, da linguagem... A partir daí, construo a ficção, seguindo a estrutura que estabeleci, o fio condutor que quero dar ao romance. No fundo, segundo a minha história dentro da História. Romance, em português, significa ficção e o romance histórico deve ser, acima de tudo, ficção. Por isso, o espaço para a criação é imenso, inesgotável, sem freio, o que é maravilhoso. No entanto, gosto de respeitar a História e tenho imenso cuidado com isso.
É notório que nos seus livros existe uma decidida preferência por personagens femininas. Esta escolha pode significar também o que se vem designando como escrita no feminino?
Nunca tenho uma resposta convicta para essa pergunta. Não sei se a escolha pode significar exactamente isso, é certo que o mundo feminino é-me, naturalmente, menos enigmático...Tenho optado por personagens femininas mas isso não quer dizer que rejeite a ideia de ter uma personagem principal masculina, aliás já tive. No meu primeiro romance, a minha escolha recaiu numa mulher que eu sempre admirei, Isabel I Inglaterra, e nas suas ligações com Portugal na época na perda da independência, mas tinha como segunda figura, uma segunda figura muito importante, um homem, um médico judeu português fugido à Inquisição e que acabou na corte de Isabel I, como médico e espião. Esta pessoa existiu, não há quase nada sobre ele, teve uma vida fascinante e trágica, e quase metade do livro é na pele deste português praticamente desconhecido em Portugal, Rodrigo Lopes. Há quem diga que o meu romance mais feminino é Constança... Não sei, prefiro deixar essa avaliação para os leitores.
Macau poderá ser cenário para um próximo romance? Haverá alguém aqui nascido ou radicado que a possa motivar a criar um personagem?
Claro que pode, mas não é ainda o próximo! Há muitos aspectos da História de Macau que me seduziriam para escrever um romance. E pessoas aqui nascidas também.