Bento
de Núrsia, reza a história do Ocidente, terá sido o primeiro a criar uma ordem
monástica em Monte Cassino, no distante ano de 529.
Era
regra a prática do silêncio, essa fonia Universal cuja sonoridade escapa aos
nossos fracos ouvidos.
Bem
mais cedo porém, quer na Índia dos Yogi, quer Taoístas na China, buscavam, no
isolamento, também pela ausência de sons, outros além da Natureza, a
convergência para si mesmos que Damásio, no seu “Sentimento de Si”, aborda
cientificamente esse misterioso estado chamado Consciência.
Por
seu lado, Carlos Castañeda relata, no seu livro “O Poder do Silêncio”, os
ensinamentos do feiticeiro e xaman, Don Juan. O silêncio é o Princípio do
Conhecimento. “Um homem vai para o conhecimento como vai para a guerra: bem
acordado, com medo, com respeito e com absoluta segurança. Ir para o
conhecimento ou para a guerra de outra qualquer maneira é um erro, e quem quer
que o faça pode nunca viver para se arrepender”(Carlos Castañeda in Os
ensinamentos de Don Juan: “Um caminho Yaqui de conhecimento”).
Não
será pois de estranhar que, num outro tempo, Macau tenha vivido um silêncio
percorrido pelo canto das cigarras resguardadas sob a folhagem de rubras
acácias nas tardes quentes de Verões a preto e branco tornados sépia pelo tempo.
Esse, porém, é apenas uma memória, uma reminiscência que, contudo, evoca em mim
a ideia de uma maior inocência, essa condição alva que convida ao conhecer e ao
saber.
O ruído
Hoje,
porém, é o ruído, e o excesso, que afogam pela raíz a possibilidade da harmonia
de que falam Taoísmo, Confucionismo e Budismo, e a cultura tradicional.
Se
antes o jogo era uma actividade a par do fabrico dos panchões, das caixas de
fósforos e de outras humildades, hoje é a indústria dominante, a fábrica de
sonhos e desilusões, o objecto do desejo que se esgueira sempre por entre o
arremedo dos luxos de que se reveste para o jogo da sedução que captura 32
milhões de confluentes visitantes que transformam o lugar em outro, perdido de
si, tornado um não-lugar para gentes que cedem aos demónios que transportam.
Coragem,
é preciso coragem, diz o velho eremita, para abandonar o mundo, esse conceito, que se centra na essência e se afasta do acessório.
O
fim da quietude coincide invariavelmente com o surgimento da ignorância, do sânscrito
avydia (1), e do agravamento do sofrimento.
O ruído é, pela sua natureza, sofrimento. Já no Evangelho
se lê: “... Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes
Abraão, e Isaac, e Jacob, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados
fora.
Lucas 13:28”
E
entre o feérico e as ilusões, as poses e as posturas, os discursos e as vénias,
desdobra-se pela frente um caminho, cujo traçado se sabe mas se não adivinha,
porquanto uma coisa é o que se deseja e outra o que se sabe fazer.
Apesar
do respeito e obediência às hierarquias, como no passado, o devir é um desafio,
porque agora há a formulação do conceito de uma Grande Baía.
No
meio do ruído não há silêncio, e sem silêncio os seres escolhidos pelo indicado,
não podem almejar alcandorar-se aos saberes necessários para cumprir desígnios
traçados. Por outras palavras, mais do mesmo?
Silêncio
que se vai cantar o destino.
Nota 1:
este o termo em sânscrito, significado de ignorância nas escrituras budistas,
por oposição ao conhecimento ou Vidya. A função de Avidya é suprimir a natureza real
das coisas e apresentar algo diferente. Em essência, não é diferente do
conceito de Maya (ilusão). Avidya está relacionado com o espírito
individual, enquanto Maya é uma energia da divindade; quando a ignorância se estende
a todo o universo, chama-se Maya. Em ambos os casos, a ignorância causa a
sensação de diferenciação que rompe a unidade original (não a dualidade) entre
Deus e a pessoa, entre o que é real e o que é real. É irreal, separando tudo em
sujeito e objecto. O que mantém a alma cativa do Samsara (ciclo de
nascimento, morte e reencarnação) é esse Avidya que impede a libertação.