sexta-feira, 13 de março de 2020

CRÓNICA SOBRE A FORÇA DA FRAQUEZA

Médicos chineses e quarenta toneladas de equipamento 

As pandemias têm sempre uma origem, porém, por definição etimológica, pertencem a todos.
E assim, as mais recentes notícias de uma Itália desesperada chegam dulcificadas por uma dádiva chinesa de quarenta toneladas de máscaras, equipamentos e outros apoios, além de uma equipa de médicos.

A política internacional é assim. É um jogo no qual Nicolau Maquiavel entrou tarde, já a velha China tinha consumados estrategas, sábios na arte de jogar e antecipar movimentos no tabuleiro dos reinos e, depois, no do império nascido ali para os lados de Xian.
Das lições que retive das histórias que ouvi contar ou li, devidamente traduzidas, fixei aquela máxima "quando estiveres forte, faz-te fraco" ou aquele conselho de Sun Tzu "se queres que os teus soldados derrotem os opositores, coloca-os encurralados. Lutarão desesperadamente para se soltarem". 

E é assim que, qual fénix reerguida das cinzas, aprendida a lição, a China busca o resgate da sua face, enviando para Itália ajuda médica urgente, que a fábrica do mundo voltou a produzir. 

Afigura-se-me que, para o europeu ou americano, o pensamento chinês é imprevisível porque surpreendente. Apesar da aldeia global, poucos são os peritos ocidentais capazes de pensar chinês porque, para conhecer os chineses, é preciso ser-se chinês. 

No entanto, a propaganda ocidental liderada por Trump, aponta a China como o "baluarte do mal" embora não conste, por exemplo, que para se ser visto num hospital chinês se exija seguro de saúde ou depósitos de 3.000 dólares.
Hoje, Shenzhen, apenas a uma hora de Macau, emerge como a mais tecnológica cidade do mundo, sendo também a sede da Huawei e, ironicamente, aí também se fabrica o iPhone. 

É, enfim, o confronto do velho imperialismo face a um muito mais velho conceito conhecido como o "mandato celestial", isto é, a ideia de um império e um líder. 
A breve passagem por um sonho de democracia lançado em 1912 com a revolução de Xinhai e encabeçado pelo pai da república, o médico dr. Sun Yat Seng, fundador do Kuomintang KMT (國民黨), que significa "partido democrata do país", durou pouco, tendo-se-lhe seguido Yuan Shikai, chefe do exército de Beiyan, que se fez coroar imperador em 1915, para abdicar face às revoltas populares e morrer no ano seguinte. A inclinação para o aventureirismo e as guerras intestinas cedo mostravam a inclinação para a república (共和國), mas menos pelo conceito de democracia.

Data de 1921 a fundação do Partido Comunista Chinês, PCC. Em 1927 o general Chiang Kai Shek assume o comando do KMT após a morte do seu fundador, partido que acabou por ser conhecido como Partido Nacionalista. Pouco depois dava-se o massacre de comunistas em Xangai pelo KMT.

Estava criado o tabuleiro para a Guerra Civil e, no meio, a confusão gerada pela invasão Japonesa de 1937 e o massacre de Nanquim e Xangai, lançando muitos refugiados para Hong Kong, entre os quais minha Mãe e meus irmãos.

Muito mais tarde ser-me-ia contado por uma xangainense que também fugira, que os do KMT "apenas fugiam" dos japoneses. Quem lhes fazia frente eram os comunistas.

Prisioneiros de guerra enterrados vivos pelos japoneses. Nanquim, 1937

Com base no campesinato maioritário, e não no proletariado, o PCC derrotaria o KMT em 1949, tendo este último, através do seu ministro das finanças, levado todo o ouro da China para a Formosa.

Assim, desde 1 de Outubro de 1949, o Partido Comunista Chinês viu-se obrigado a liderar uma China na miséria.
Cinquenta e um anos depois, o país estava reconstruído, um país com 1.400 milhões de habitantes, o que constitui assinalável obra.

Compreender-se-á que, depois das aventuras da infância republicana, a China tenha percebido que governar a nação mais populosa do mundo seria incompatível com o  conceito ocidental de democracia. Além disso, as lições aprendidas desde as Guerras do Ópio, por exemplo, e a memória de muitos lugares onde era proibida a entrada "a cães e a chineses" terá instilado nos dirigentes chineses um firme desejo de um Nunca Mais.

Hoje, a China ainda tem de lidar com muitas dificuldades, mas sábia como é, tratou de cuidar do velho lema de que povo com a barriga cheia é povo satisfeito. E hoje, um terço da população, quase 500 milhões, pertence à classe média e a China é a maior detentora dos títulos de dívida dos E.U.A. e 35 milhões de turistas de jogo tornaram Macau na cidade com o PIB mais elevado do mundo.

Tem o ocidente esta vontade evangelizadora de que só o seu conceito de democracia é válido, à maneira dos Jeovás e dos demais. Esse conceito de democracia, que implica o respeito pelo outro, afigura-se assim assaz curioso. Respeito pelo outro sim, desde que tenha a mesma opinião...

Mas dizer o que se pensa é, para os chineses, uma fraqueza, não uma franqueza. Porque as relações políticas e comerciais são, mais uma vez, um jogo não de revelação, mas de ocultação.

A capacidade de resposta da China, a constatação de que o COV19 emergiu porque ainda não foi possível o esclarecimento de todos sobre hábitos ancestrais em algumas regiões vem, a meu ver, mostrar quão perfeita é a incompletude do que tem sido realizado na China nos últimos anos. Porém vem igualmente dizer-me quanto caminho foi percorrido em tão escasso período de apenas 71 anos.
Assim se vem cumprindo a força de uma fraqueza.

xangai
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