domingo, 17 de maio de 2020

PATRIMÓNIO DE MACAU – A DESTRUIÇÃO DO BAIRRO ALBANO DE OLIVEIRA

Comandante Albano de Oliveira Governador de Macau (1947 - 1951)

O Comandante da Marinha, Albano de Oliveira, terá sido dos poucos governadores que Macau teve que conhecia previamente a então "Província", por aqui ter passado parte da sua infância e juventude, conforme nos diz João Botas.
Deixou obra feita, como o Edifício das Repartições, agora denominado "antigo tribunal", Escola Luso-Chinesa Sir Robert Ho Tung e, entre outras, as habitações para funcionários num bairro, inaugurado em 1949, que lhe tomou o nome e onde meus pais foram os primeiros habitantes.

O airoso bairro Gov. Albano de Oliveira, acabado de construír, e ainda sem árvores 1949.

Este bairro, de oito casas-moradias com jardins, quatro de um lado e  quatro de outro, albergava 16 famílias, uma no rés-do-chão e outra no primeiro andar, com uma rua interior pelo meio, a Rua Governador Albano de Oliveira.
Um dos topos confinava com a Av. Coronel Mesquita, onde se situava o templo de Kun Iam e, mais acima, o Colégio D. Bosco com o seu campo de futebol de sete. Estava, podia-se dizer, distante do centro da cidade, de tal modo que todas as crianças conheciam os motores dos carros de cada um dos habitantes. 
Nesse bairro viveram professores do Liceu, médicos, o director dos Serviços Meteorológicos, funcionários superiores, etc.
Na canícula do Verão passavam por lá vendedores diversos, de vassouras, espanadores e outros objectos para a casa, até ao homem que, com duas latas aos ombros, vendia papo-secos, gritando pang quenti. Passava também o homem do chi cheong fan (massa de arroz cozida a vapor e enrolada sobre si mesma, regada com molho de soja, molho de sésamo, molho doce, sementes de sésamo) ou o vendedor de lulas fritas.

Chü cheong fan (massa em forma de intestino de porco)

Esse bairro onde tantos viveram, como em todos os bairros de Macau, ganhou características com o tempo, convivendo os filhos dos habitantes, de diferentes idades. 


À esquerda, o futuro advogado Francisco Gonçalves Pereira e o futuro engenheiro Raimundo Arrais do Rosário, hoje Secretário para as Obras Públicas, no bairro, já com arvoredo. 


Em nome da verdade é preciso dizer-se que a qualidade arquitectónica era comum a muitos lugares do chamado ultramar português. Eram habitações que tinham um modelo comum muito parecido como se pode ver na fotografia abaixo, mas que nem por isso as tornava menos confortáveis e, sobretudo, iniciadores de memórias e afectos comuns.
Outros bairros muito próximos, situados ao longo da Coronel Mesquita e cruzamento com a Francisco Xavier Pereira, tinham características semelhantes.




















O bairro Albano de Oliveira assistiu ao fluir de gerações e de memórias inesquecíveis para os seus habitantes.
Perguntar-se-á o que o torna tão especial para merecer este registo. Infelizmente não é pela positiva. 
Com efeito, em 1983, governando com arrogância e autoritarismo – o também oficial da marinha, Almirante Vasco de Almeida e Costa, que viria a ter veleidades de candidatura à presidência da república (o mal que Macau sempre fez aos pequenotes, destituídos e vulgares) – determinou a destruição do bairro Albano de Oliveira para, em seu lugar, se implantar um conjunto de quatro torres assentes sobre uma plataforma que seria um parque de estacionamento. 
O assunto causou alguma celeuma, tendo o jornalista Hélder Fernando, que viria a ser meu muito querido amigo, referido o assunto neste seu texto do Jornal Tribuna de Macau.
Indiferente, no seu todo-poderosismo, o Almirante Almeida e Costa deu ordem de liquidação.

A última casa a ser demolida

Meu Pai, que juntamente com minha Mãe foram os primeiros inquilinos do bairro, faleceu precisamente em 1985. Não teria resistido a esta visão de destruição. A dele, a nosso, foi a última casa a ser destruída, sob a sombra horrenda do prédio miserável e medíocre que espreitava por trás. Ficou a fotografia, testemunho da barbárie insolente e arrogante de quem, julgando ser eterno, deixou dúvidas muitas sobre a razão subjacente à decisão que tomou.

O edifício Pak Vai

A especulação imobiliária, nascida a partir dos finais dos anos 1960 é, por definição local, a utilização máxima da área de implantação disponível sem quaisquer preocupações estéticas, num completo desprezo por cérceas ou preocupações semelhantes.

Área originalmente destruída está delimitada a vermelho enquanto que a zona delimitada
a amarelo e vizinha do campo de futebol, foi mantida, provavelmente por estar confinada ao cemitério.

Em artigo próximo, abordarei com maior profundidade e documentação, o que foi o Património edificado de Macau.
Neste texto resta apenas a memória de um dos muitos bairros de Macau, que ajudaram ao reforço da identidade de Macau no seu todo.






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