INTRODUÇÃO
Tenho procurado ao longo da minha vida profissional divulgar pessoas que considero merecedoras disso. Sem contar com centenas de textos introdutórios a exposições e artigos em jornais, mantive interessantes conversas por escrito com algumas delas.
Tenho, para estas conversas, de ter uma motivação pessoal. Cada texto constitui uma incursão num caminho novo, específico e singular. Tudo sempre me interessou.
A Filipa Pais Rodrigues nasceu em Coimbra e aos 12 anos foi para Macau com os pais, que eram médicos, e aí cresceu. Macau era um sortilégio que marcou quem lá passou e ainda marca, embora com outro pano de fundo.
Vim a reencontrar virtualmente a Filipa que é designer, porque concebe, e artesã, porque realiza. Para mim, ser-se artesão é um elogio.
A Filipa Pais Rodrigues tem formação artística como se pode constatar aqui:
2001
Curso de ilustração com António Modesto – EUAC, Coimbra, Portugal
1996-1998
Pós-Graduação em Design de Comunicação, Jan van Eyck Akademie - Centre for post graduate studies, Maastricht, Holanda
1995
Curso de ilustração com Alice Geirinhas – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal
1989-1994
Licenciatura em Pintura / vertente gráfica – ARCA EUAC Escola Universitária das Artes de Coimbra, Portugal
1988
Curso de Cerâmica Artística, Macau, China.
PUBLICAÇÕES
1997-1998
- Feeding the squirrels to the nuts, Holanda
- Desire, Holanda
- One single word stands for one thousand images, Holanda
- The designer’s terms, Holanda
No caso da presente conversa, constato que Filipa opera em diversas áreas, entre as quais também a pintura, mas a escolha do tema que tive com ela explico-o, associando-o a outra descoberta: a de um jovem licenciado que se vem revelando uma promessa de carpinteiro-marceneiro. Sempre conferi valorização à parte do artesanato de construção ritual, sobretudo aquela que requer a consciência da geometria, o recurso à régua e ao esquadro, ao qual quer a carpintaria-marcenaria ou a cartonagem recorrem para o bom e correcto resultado dos seus projectos. As caixas, de Pandora e outras, constituem verdadeiros objectos de sedução porque foram criadas para ocultar ou para revelar.
O contador Amarelo é um Tributo a Siza Vieira, e o Vermelho é homenagem a Souto Moura – a Casa das Histórias (Museu da Paula Rego)
Admiro tanto o pintor, como o oleiro, a bordadeira, o escultor, o ceramista, o joalheiro, o carpinteiro, o marceneiro, o fotógrafo e tantas outras áreas de expressão, como aquela a que a Filipa se dedica. Privilegiar uma arte em desfavor de outra é preconceito ou ignorância.
Porém, sempre fui muito exigente, não apenas na medida dos afectos. Reside em mim um gosto muito próximo do cartesiano, como ideia de subjectividade do gosto, isto é, o gosto como uma questão particular do sujeito. Adiciono ainda um hieratismo, uma como que necessidade da essencialidade e do solene, porque confere à estética o rito.
O rito, esse, é indesmentivelmente extremo-oriental.
Fiquei rendido ao virtuosismo, competência, simplicidade e bom gosto da Filipa nas coisas que faz, sejam obras de cartonagem, livros por si reiventados ou caixas de influências várias.
Assim, e porque acho que é meu dever cívico continuar a promover autores e autoras que considero merecedores, eis o resultado da conversa havida com a Filipa.
Filipa, antes de mais gostaria de perguntar se achas que a tua infância e adolescência em Macau foram determinantes em algumas (ou todas) as escolhas estéticas que fizeste.
FPR: Sem dúvida nenhuma... Tive o privilégio de passar grande parte das nossas férias no Alentejo em casa dos avós paternos, onde creio ter absorvido as influências mais marcantes da minha infância. Apesar da educação extremamente rígida e conservadora, a minúcia, a estética, a capacidade de organização e a contemplação da natureza que os meus Avós me incutiram foram determinantes. A minha Avó tocava piano, pintava, fazia as tintas para tingir as lãs para os Arraiolos, enfim, era uma Senhora muito delicada... Com o meu Avô íamos ao fim de semana, ao final do dia ver os prados, observar as aves, lembro-me de ficar fascinada pelo seu conhecimento tão pormenorizado sobre “tudo o que mexia no campo”, lembro-me de pensar que gostaria de vir a ser como ele... mas naquela época, só os homens podiam ir para o campo. Ansiava sempre pelo momento em que “as meninas” podiam ir dar a volta ao campo com o meu Avô, o meu Pai e o meu irmão...
Aos 12 anos tive a felicidade de ir para Macau... Se já antes tinha tido tal estímulo, desde aí, curiosidade e atenção ao detalhe é intrínseco à minha maneira de ser e estar na vida. Conhecer e crescer em Macau – no Extremo Oriente – foi um marco fraturante na minha personalidade, de uma densidade e intensidade extraordinárias. A minha experiência pessoal, num mundo repleto de formas, cores e cheiros absurdamente diferentes, incentivaram e despertaram ainda mais todos os meus sentidos… Penso que nem todas as pessoas entenderão o verdadeiro impacto numa criança com 12 anos, vividos entre uma cidade conservadora e fechada sobre si mesma como Coimbra nessa época, e o Alentejo do interior, confrontada com um lugar como Macau no início dos anos 80… Um lugar belo e misterioso, cheio de inúmeras experiências desconhecidas que íam das simples refeições, até à forma de vida nas suas diversas dimensões… Tudo diferente, tudo desconhecido… E sempre carregado de mistérios e simbolismos…
Sinto declaradamente essas influências na minha prática artística, em que procuro constantemente criar significado da experiência humana, do indivíduo. Essa criação é a materialização da expressão da minha vivência enquanto indivíduo, é uma busca constante da experienciação do Belo. Com o meu trabalho quero oferecer uma experiência de prazer, de satisfação, de harmonia com a natureza dos materiais, da forma, do ambiente cromático. Seja na contemplação de uma pintura, na convivência do movimento de um mobile, ou na descoberta do segredo de um contador de mesa.
Quando é que surgem na tua vida estes variados interesses, que vão da cartonagem e fabrico de caixas, à reinvenção de cadernos, livros e álbuns de fotografia além do teu interesse pelo origami?
FPR: Tive desde sempre um enorme fascínio pelos trabalhos manuais. A minha Mãe tinha um sentido estético muito apurado e também grande habilidade de mãos. Sempre fomos incentivados a fazer tudo. Lembro-me de adorar a época do regresso às aulas, em que forrávamos os livros e os cadernos e organizávamos os nossos espaços de trabalho... As gavetas e os armários lá de casa eram forrados com papel decorativo e eu ainda tenho algures um caderno que fiz com poemos escritos e ilustrados por mim, muitos antes de ir para Macau.
Álbum de casamento ou para outra função
Nos primeiros anos do novo milénio, em que deixei de trabalhar em publicidade, senti que tinha chegado o momento de me dedicar àquilo que realmente sinto ser o meu potencial natural, basicamente, o regresso à construção de paisagens com texturas e cores que possam surpreender quem com elas interagir... Curiosamente, a dedicação ao origami acontece já depois de ter regressado a Portugal, mas o fascínio por esta arte foi despoletado desde cedo, na minha ida ao Japão e mesmo em Macau, lembro-me dos frasquinhos com estrelinhas que as minhas amigas Macaenses tinham.
Reparei que tens recebido encomendas de algumas empresas. O que te satisfaz mais? Encomendas dessas ou de particulares que reconhecem o teu talento e know how?
FPR: Ambas. Gosto tanto de ir de encontro a um pedido específico para um determinado objectivo, como o de criar uma peça singular, para usufruto individual ou colectivo... Gosto do Belo... E as pessoas também...
Tens um corpo de trabalho já bastante grande, o que me leva à constatação de que és uma trabalhadora compulsiva. Estou certo? E como articulas essa actividade com a de Mãe e de Mulher?
FPR: Pois... às vezes não é fácil, se por um lado, tanto o meu marido como a minha filha são os maiores fãs e ao mesmo tempo, críticos construtivos do meu trabalho, respeitando todo o tempo do meu processo criativo, por outro, não poucas vezes, acham que complico e que extravaso a razoabilidade...
A verdade é que essa característica "compulsiva" é intrínseca e manifesta-se tanto no trabalho como na vida pessoal e doméstica, sou algo obsessiva tanto no corte do cartão, como na limpeza do pó... a minha sorte é que a família me compreende, e muitas vezes a hora das refeições é determinada em função das minhas necessidades artísticas, isto, porque tenho a sorte de ter um “chef particular”, o meu marido, que cozinha para nós 365 dias por ano...
Entre caixas cartonadas, tabuleiros, livros forrados, origami e o mais que sabes melhor do que ninguém, o que gostas mais de fazer? Quanto tempo demoras em média?
FPR: Honestamente, gosto de fazer tudo... A verdade é que cada actividade tem um momento próprio e, por exemplo, o origami é feito tanto numa viagem de metro, como ao serão, enquanto estamos em família. Tenho alguma dificuldade em estar sem fazer nada...
Se tivesse que escolher uma peça, os contadores de mesa são o que me dá mais prazer, nomeadamente a minha mais recente série “Tributo a”, em que o maior desafio é o de recriar espaços arquitectónicos que admiro, com um novo propósito, tão intimista, como o de um contador de mesa.
Relativamente ao tempo, é demasiado, sobretudo, face à valorização que não é fácil obter.
Contador de mesa
As influências Extrem-Orientais do contador de mesa
Realizas trabalhos com materiais escolhidos por outros, como por exemplo papéis, veludos e cabedais?
FPR: Sim, sou totalmente receptiva às sugestões que me possam fazer, embora normalmente em função do que me é pedido, eu faça duas ou três sugestões tanto de materiais, como de opções cromáticas... Mas prefiro criar com liberdade...
Com este corpo já tão vasto de trabalho, que outros sonhos tens por realizar?
FPR: Tenho vários... Desde o vitrinismo, fazendo montras de autor, que é um sonho que tenho desde sempre — as montras que namorava nas lojas de Hong Kong — até trabalhar para uma marca de luxo, utilizando materiais nobres, como o ouro ou os diamantes e, sobretudo, de poder viver exclusivamente da minha Arte...
EXPOSIÇÕES
2020
ARTFEM Women Artists 2nd International Biennial of Macau
2014
- Oporto Business School - POPs SERRALVES
- POPs SERRALVES 6a Edição Projectos Originais Portugueses, Mostra de Serralves, Porto
1996 - 1998
Diversas exposições colectivas de Projectos de Design, Jan van Eyck Akademie, Holanda;
1994
Bienal dos Jovens Artistas da Europa Mediterrânica, Lisboa;
1992 - 1994
Participou em diversas exposições colectivas de pintura e ilustração em Coimbra, Lisboa, Porto, Tomar e Viseu.
Como disse Fernando Pessoa, “O caminho faz-se caminhando”. E eu tenho feito o meu, como todos nós. E hoje é um dia muito especial, a sua pessoa, querido António, que pertence ao lugar mais importante da minha vida, Macau, por quem sempre tive grande admiração, reconheceu o meu caminho, reconheceu o meu potencial natural. Bem haja!
ResponderEliminarEstou feliz.
Como disse o poeta Castelhano António Machado, “O caminho faz-se caminhando” e não Fernando Pessoa, como sempre achei...
ResponderEliminarContinuo feliz.
Nada há agradecer senão a ti própria Filipa. Quanto ao autor, por vezes são mais importantes as palavras do que os seus autores. Cotinua Feliz
ResponderEliminarAdorei ler cada palavra...sentir a paixāo, a criatividade, a liberdade de expressão em forma de arte e na procura do belo. Continua...sempre!
ResponderEliminarMuito bem, Filipa. Gostei de conhecer o que sustenta os trabalhos que vamos vendo. És uma lutadora.
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