Ontem, domingo, 29 de Janeiro, na placidez de uma tarde jovem, fui até à janela olhar a calma que esperava encontrar.
Eis que encontro um carro estacionado junto ao pequeno jardim em frente e, no chão, dois homens lutavam, um logrando sentar-se em cima do outro, procurando agarrar-lhe os braços. Uma mulher, junto ao carro, parecia perdida, desorientada.
Desci a correr, abri o portão da casa e fui até àquilo que parecia uma briga, e deparo-me com o senhor que estava por cima do outro homem a imobilizá-lo com as mãos prendendo as do outro por cima da cabeça. Vi então que era um rapaz com um bigode ralo que lutava agora com as pernas para se soltar.
À minha pergunta de "que se passa" o senhor respondeu-me "é o meu filho que está com um ataque psicótico, quer-se suicidar". E o pai tinha a boca a sangrar. Eu disse-lhe que se quisesse imobilizá-lo deveria virá-lo de barriga para baixo e aí eu ajudá-lo-ia a usar uma torção de braço para firmar a imobilização.
"Não, ele é meu filho, não o quero magoar" responde o pobre pai. A senhora atarantada diz-me que "nós damos-lhe tudo o que ele quer e mesmo assim...". Tomo conhecimento que o rapaz tem 19 anos.
Virei-me para a senhora e disse-lhe para chamar a polícia na esquadra aí a uns cinquenta metros. Aproxima-se um homem, pergunta se pode ajudar, que é escuteiro. Fala como o rapaz que mal responde. A senhora demora a voltar, o escuteiro à paisana também se dirige à esquadra. Voltam os dois, a dizer que chamaram o INEM, mas PSP nem vê-los. Continuo alerta e vou avaliando o nível intelectual dos pais, e as queixas. "Nós vinhamos de Guimarães, passámos por um Centro Comercial. Ele quis ir ao Centro Comercial, mas hoje não podia ser. Ele imediatamente entrou num acesso de raiva, e disse que se ia matar, abriu a porta do carro em andamento".
Uma senhora de branco aproximou-se, sugeriu uma linha telefónica para casos destes. Percebo à superfície que há uma história de "damos-lhe tudo o que ele quer" enquanto o pai pede à mulher que guarde os óculos do filho, explicando-nos que cada lente custa 600 €. Continuo a olhar a ver se aparece um agente da PSP vindo da esquadra. Nada!
Estavamos nós, civis, a tentar ajudar os pais daquele rapaz problemático, afinal já com um historial psicológico, como conta a mãe.
Nisto chega ambulância do INEM. Descem o condutor e uma mulher, médica talvez. Tomam conta da ocorrência.
O rapaz é encaminhado para a ambulância. Talvez lhe injectem um sedativo. O pai é que tem o cartão de cidadão do filho. Acentua-se a convicção de que o caso é problemático.
Eu e o escuteiro, que se apresenta como arquitecto de profissão, despedimo-nos enquanto os pais correm a meter-se no carro para seguirem a ambulância do INEM.
De tudo isto ficou-me um sabor a indignação em relação à esquadra da PSP tão próxima. À indiferença perante aquilo. Era uma questão onde civis se substituíram a uma intervenção ao nível humano e cívico que qualquer cidadão esperaria da Polícia. Não era preciso haver tiros nem mortes.
Nos tempos que correm, de contestações e reivindicações, assistir à indiferença cívica num domingo lento e frio, causou e causa-me indignação.
Fica, assim este escrito sob o tema deste blogue, Urbanidades, porque seria isso que se esperaria de um agente que invoca a família e o salário baixo, sempre que há uma reivindicação, ou justamente se queixa de lhe cortarem as férias. Há obrigações que não entram no capítulo das atribuições e competências.
É pena, muita pena.
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