LANÇAMENTO DO LIVRO DE DUARTE RUI MARQUES



O autor

Duarte Marques (Lisboa, 1969) é poeta e prosador, residente em Cascais. Economista pela Universidade Católica Portuguesa e Antigo Aluno do Colégio Militar, desenvolveu uma carreira internacional de mais de três décadas, sem nunca abandonar a escrita, que sempre foi a sua respiração íntima e contínua. Foi distinguido com o 1.º lugar no Campeonato Nacional de Escrita Criativa (2020), 2.º lugar (2021) e 4.º lugar em Prosa no Concurso Literário da Cáritas de Coimbra (2025), entre outros prémios e distinções.
Autor dos livros de prosa poética Golpe de Fogo e Pássaros Que Levam o Meu Grito, e do livro de contos Nestas Histórias Apenas Morro Eu, participa ainda em diversas antologias e colabora regularmente na revista Zacatraz do Colégio Militar. O seu novo livro, Pássaros Que Levam o Meu Grito, terá lançamento oficial no dia 22 de Novembro, sábado, às 15h00, no Anfiteatro do Colégio Militar, em Lisboa.
A sua obra, escrita ao abrigo do antigo acordo ortográfico, caracteriza-se por uma prosa poética de grande densidade imagética e emocional, onde corpo, memória, amor e transcendência se entrelaçam numa linguagem de intensidade singular e rigor estético.


A BELEZA DO ABISMO

Na penumbra abismal do meu ser, dançam sombras despedaçadas, e as nuvens da memória sussurram gritos antigos; a brisa, lâmina que corta em murmúrios ferozes, enquanto dos abismos brotam flores feitas de um céu rasgado e moribundo.

No espelho estilhaçado, mil rostos sangram lembranças — um riso que é espuma efémera, uma lágrima selando o instante onde o Sol grava feridas na carne do tempo, e as estrelas, reduzidas a cinzas, guardam o seu fervor como brasas suspensas.

Vagueio por ruas de cristal quebrado, onde o tempo, vapor efémero, se dissolve sob os meus pés descalços, arrastando ecos mutilados de sonhos que nunca floresceram. No alto da montanha, um pássaro de cobre rasga o silêncio com um cântico dilacerado, enquanto os abismos sussurram segredos que cortam como punhais.

Ó, alma minha, tempestade de paradoxos, teus olhares são mares revoltos, e os meus dias, náufragos em canções desfeitas. Navego em ondas colossais, abraço a espuma que me sufoca, e a alegria que me seduz é um véu de névoa venenosa, prestes a desabar.

Na paleta do sentir pintei tons brutais — verde esperança manchado de medo, vermelho desejo que arde em feridas, azuis abissais que devoram a luz. Em cada gesto, um coração desfeito; a vida, uma sereia que me prende nas suas garras, seduzindo-me para o fundo.

A noite, com as suas sombras gélidas, ergue-se como eco que dilacera. Nos braços devoradores da escuridão, a aranha tece destinos como veneno, e das teias de sofrimento nasce a beleza impiedosa dos divinos.

Fragmentos meus procuram-se na dobra do impossível, rasgam a fronteira do inexorável. A luz, faminta, devora-me enquanto se transforma em dor, e na dança dos paradoxos, redimo o meu fervor com o sangue dos meus dias.

Mesmo quando os ventos sopram para ferir, e o Universo ressoar como uma porta rachada, descubro na curva da loucura a epifania final: a devastadora beleza de ser abismo — e, ainda assim, ser poesia.











 

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