terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

VENDO AS COISAS COMO ELAS SÃO

 

NYANAPONlKA THERA (Thera significa «Ancião») nasceu em 1901 na Alemanha, filho de pais judeus. Tornou-se budista aos vinte anos e em 1936 mudou-se para o Ceilão, onde se tornou monge. Tem permanecido desde então principalmente no Ceilão e fundou a Sociedade Budista de Publicações em Kandy, que desempenhou um papel relevante no reavivamento do Theravada ocorrido no século xx.
Nesta selecção, Nyanaponika Thera ajuda-nos a captar o significado e o ensino de Buda sobre as três marcas da existência: impermanência, sofrimento e não-ser. Particularmente, clarifica como, do ponto de vista da experiência, o sofrimento pode ser uma característica geral da existência, embora pareça ser apenas uma qualidade psicológica subjectiva. O não-ser, também, como ausência de essência pessoal, pode aplicar-se tanto a fenómenos como a pessoas, pois as coisas do mundo são também vazias de essência. Assim, o mundo criado pela análise dualista que separa o eu do outro manifesta-se como um fantasma mutável. Os que se relacionam com ele como sendo sólido e real estão condenados à frustração descrita na Primeira Nobre Verdade.
Se contemplarmos um sector mínimo que seja da vida, somos confrontados com uma variedade de formas vivas tão tremendas que desafiam todas as descrições. No entanto, podemos distinguir três características básicas comuns a tudo quanto tenha existência animada, desde o micróbio ao homem, das sensações mais simples aos pensamentos de um génio criativo:

impermanência OU mudança (anitya)
sofrimento ou insatisfação (duhkha)
não-ser ou insubstancialidade (anatman)

Estes três factos básicos foram primeiro descobertos e formulados há mais de 2500 anos pelo Buda que correctamente foi designado «o Conhecedor do Mundo». Na terminologia budista, são chamadas as três características - as marcas ou sinais invariáveis de tudo quanto entra no ser, os «signata» estampados no rosto da própria vida.
Dos três, o primeiro e o terceiro aplicam-se directamente tanto à existência inanimada como à animada, pois cada entidade concreta, pela sua própria natureza, passa pela mudança e é desprovida de substância. A segunda característica, o sofrimento, é, naturalmente, apenas uma experiência da vida animada. Mas o Buda aplica as características do sofrimento a todas as coisas condicionadas, no sentido em que, para os seres vivos, tudo que é condicionado é uma causa potencial do sofrimento experimentado e é em todo o caso incapaz de dar satisfação duradoura. Assim, as três são verdadeiramente marcas universais, características daquilo que está abaixo ou além do nosso nível normal de percepção.
O Buda ensina que a vida só pode ser entendida correctamente se estes três factos básicos forem entendidos. E esta compreensão deve ocorrer não apenas logicamente mas em confronto com a experiência pessoal. A sabedoria intuitiva, que no Budismo é o factor libertador final, consiste nesta compreensão experimental das três características aplicadas aos processos mentais e físicos da própria pessoa e aprofundadas e amadurecidas em meditação.

Ver as coisas como elas realmente são, significa vê-las consistentemente à luz das três características atrás citadas. Não vê-las desta maneira ou enganar-nos quanto à sua realidade e variação de aplicação, é marca definitória de ignorância e a ignorância por si mesma é uma causa potente de sofrimento, preparando a rede em que o homem é apanhado - a rede das falsas esperanças, dos desejos irrealistas e nocivos, de ideologias enganadoras de valores e alvos pervertidos.
Em última análise, ignorar ou distorcer os três factos básicos conduz apenas à frustração, ao desapontamento e ao desespero.

Mas se aprendermos a ver através das aparências enganadoras e discernirmos as três características, isso trará imensos benefícios, tanto à nossa vida diária como à nossa luta espiritual. Ao nível mundano, a compreensão clara da impermanência, do sofrimento e do não-ser fornece uma perspectiva mais sã da vida. Livra-nos de expectativas irrealistas e leva-nos a uma aceitação corajosa do sofrimento e do fracasso, protegendo-nos contra o engano de assunções e crenças erradas. Na nossa busca do supramundano, a compreensão das três características será indispensável. A experiência meditativa de todos os fenómenos, inseparável das três marcas fará perder e finalmente cortará os laços que nos ligam a uma existência falsamente imaginada a ser duradoura, prazenteira e substantiva. Com crescente clareza, todas as coisas, internas e externas, serão vistas segundo a sua verdadeira natureza: como constantemente mutáveis, como presas ao sofrimento e como insubstanciais, sem uma alma eterna ou essência permanente. Vendo as coisas assim, o desprendimento crescerá, trazendo maior liberdade da posse egoísta e culminando no nirvana, a libertação mental final do sofrimento.

TERCEIRO E ÚLTIMO TEXTO

O NOSSO VERDADEIRO LAR




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