quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O NOSSO VERDADEIRO LAR


 O Nosso Lar Verdadeiro

AJAHN CHAH


NESTA SELECÇÃO, O VENERÁVEL AJAHN CHAH - um monge tailandês cujo estilo de ensino simples e directo atraiu muitos estudantes ocidentais ao seu mosteiro - dirige-se a uma discípula idosa à beira da morte. O mestre recorda à moribunda os factos da impermanência. Fornece-lhe os meios concretos para lidar com o seu sofrimento - primeiro o mantra, depois, consciência da respiração. O uso do mantra aqui não tem nada em comum com a cantilena mágica de qualquer tipo. Simplesmente protege a mente, fornecendo uma palavra com conotações plenas, como uma alternativa às associações dolorosas que assaltam uma pessoa no leito de agonia. Na medida em que a atenção é gradualmente desviada do fluxo mecânico de associações e se relaciona com esta sequência de totalidade, a ansiedade vai desaparecendo e desenvolve-se uma compostura suficiente que possibilita atingir o ritmo correcto da respiração.
Consciência da respiração é a mais básica de todas as técnicas budistas de meditação, praticada em todas as tradições. O movimento não manipulado da respiração surge por si só, uma expressão contínua e natural da simplicidade do aqui e agora. São utilizados dois termos sânscritos, dharma e samskaras. O uso mais familiar do termo dharma é como parte do Buda Dharma. Aí, significa algo como «caminho» ou «norma». Mas nos escritos budistas é frequentemente utilizado, como aqui, para significar um fenómeno ou facto. Tudo que se transforma no objecto da atenção é um dharma. Um samskara, em sentido restrito, é um impulso mental; em sentido lato, é qualquer formação que ocorreu em dependência de condições. Isso inclui quase tudo quanto existe. E o Buda estava continuamente a recordar aos seus discípulos: «Tudo quanto está sujeito a aparecer está sujeito a cessação.»
Na tua mente, decide-te a escutar atentamente o Dharma.
Durante o tempo que estiver a falar contigo, presta tanta atenção às minhas palavras como se fosse o próprio Senhor Buda que estivesse aqui sentado à tua frente. Fecha os olhos e põe-te à vontade, prepara a tua mente e concentra-a num só ponto. Humildemente, permite que a Jóia Tripla da sabedoriaverdade e pureza habite no teu coração, como forma de mostrar respeito ao plenamente Iluminado.
Hoje, não trouxe nada de substancialmente material para te oferecer, mas apenas o Dharma, os ensinamentos do Senhor Buda. Escuta bem. Deves compreender que mesmo o próprio Buda, com a sua grande quantidade de virtude acumulada, não podia evitar a morte física. Quando chegou à velhice, libertou o seu corpo e deixou partir o seu fardo pesado. Agora, tu também deves aprender a satisfazer-te com os muitos anos em que já dependeste do teu corpo. Deves sentir que já chega.
Podes compará-lo aos utensílios caseiros que usaste durante muito tempo - as tuas chávenas, os pratos, os pires, etc. Quando os usaste pela primeira vez, estavam limpos e a brilhar mas agora, depois de os utilizares durante tanto tempo, começam a gastar-se. Alguns já se quebraram, outros desapareceram e os que restam estão a deteriorar-se, já não possuem uma forma estável e é da sua própria natureza serem assim. Com o teu corpo passa-se o mesmo - tem estado continuamente a alterar-se desde o dia em que nasceste, da infância à juventude, até chegar agora à velhice. Deves aceitar esse facto. O Buda disse que as condições (samskaras), sejam elas internas, corpóreas ou externas são não-ser, a sua natureza é a mudança.
Contempla esta verdade até a veres com clareza.
Este pedaço de carne que aqui jaz em declínio é satyadharma, a verdade. A verdade deste corpo é satyadharma e esse é o ensino imutável do Buda. O Buda ensinou-nos a olhar para o corpo, a contemplá-lo e a chegar a acordo quanto à sua natureza. Temos de ser capazes de estar em paz com o corpo, seja qual for o estado em que ele se encontre. O Buda ensinou-nos que devemos ter a certeza de que é apenas o corpo que está encerrado numa prisão e não permitir que a mente fique presa juntamente com ele. Ora, quando o teu corpo começa a gastar-se e a deteriorar-se com a idade, não resistas a isso, mas não permitas que a tua mente se deteriore com ele, mantém a tua mente separada. Dá energia à mente, percebendo a verdade da forma como as coisas são. O Senhor Buda ensinou que essa é a natureza do corpo, não pode ser de outra forma, pois tendo nascido, envelhece, adoece e depois morre. Essa é a grande verdade que estás presentemente a enfrentar. Olha para o corpo com sabedoria e entende isso.
Mesmo que a tua casa seja inundada ou incendiada, sejam quais forem os perigos que a ameacem, isso concerne apenas à casa. Se houver inundação, não deixes que as águas invadam a tua mente. Se houver fogo, não deixes que ele queime o teu coração. Que seja apenas a casa, que te é exterior, a ficar inundada ou queimada. Deixa que a tua mente se liberte das suas amarras. O tempo está maduro.
Já viveste muitos anos. Os teus olhos viram inúmeras formas e cores, os teus ouvidos ouviram muitos sons, passaste por inúmeras experiências. E tudo não passou disso - apenas experiências. Ingeriste comidas deliciosas e todos os bons sabores não foram mais do que bons sabores. Os sabores desagradáveis foram apenas sabores desagradáveis. Se os teus olhos virem uma forma maravilhosa, é isso que ela é - uma forma maravilhosa. Uma forma feia é apenas uma forma feia. O ouvido ouve um som melodioso e ele não é mais do que isso. Um som inarmónico é simplesmente isso.
O Buda disse que o rico ou o pobre, o jovem ou o velho, o humano ou o animal, nenhum ser deste mundo pode manter-se durante muito tempo em qualquer estado, pois tudo experimenta mudança e alteração. Esse é um facto da vida que não podemos alterar. Mas o Buda disse que o que podemos fazer é contemplar o corpo e a mente para ver a sua impessoalidade, para ver que nenhum deles é «eu» ou «meu». Possuem uma realidade meramente provisória. É como esta casa, é apenas nominalmente tua, não podes levá-la contigo para onde quiseres. Passa-se o mesmo com a tua riqueza, os teus bens, a tua família - são to dos teus apenas de nome e realmente não te pertencem, pertencem à natureza. Ora, esta verdade não se aplica apenas a ti. Todos estão na mesma posição, mesmo o Senhor Buda e os seus discípulos iluminados. Diferiram de nós num único aspecto e esse foi na sua aceitação da forma como as coisas são, pois viram que não havia outro caminho.
Assim, o Buda ensinou-nos a vasculhar e a examinar este corpo, da planta dos pés ao topo da cabeça e depois de novo da cabeça aos pés. Olha para o corpo. Que tipo de coisas vês? Vês nele algo de intrinsecamente limpo? Consegues descobrir alguma essência permanente? Todo este corpo está a degenerar-se rapidamente e o Buda ensinou-nos a ver que ele não nos pertence. É natural que o corpo seja assim, porque todos os fenómenos condicionados estão sujeitos à mudança. Como querias que fosse? Realmente, nada há de errado com a natureza do corpo. Não é o corpo que provoca o teu sofrimento, são os teus pensamentos errados. Quando vires erradamente o certo, então estarás presa à confusão.
E como a água de um rio. Naturalmente, ele corre a partir da nascente e nunca ao contrário, pois essa é a sua natureza. Se uma pessoa vai até à margem de um rio e vê a água a correr firmemente para baixo e se estultamente quiser que ela corra para cima, irá sofrer. O seu pensamento errado não lhe permitirá gozar paz de espírito. Sentir-se-á infeliz por causa da sua visão errada, pensando contra a corrente. Se tivesse uma visão correcta, veria que a água deve inevitavelmente correr em direcção à foz e enquanto não perceber e aceitar esse facto, tal pessoa ficará agitada e preocupada.
O rio que corre a partir da nascente é como o teu corpo.
Tendo sido jovem, o teu corpo envelheceu e agora corre para a sua morte. Não desejes que seja de outra forma, pois é algo contra o qual não tens poder. O Buda disse-nos que víssemos as coisas como são e nos desprendêssemos dos laços que nos ligam a elas. Refugia-te nesse sentimento de deixar ir as coisas. Continua a meditar mesmo que te sintas cansada e exausta. Permite à tua mente viver com a respiração. Inspira profundamente e depois concentra a mente na respiração, utilizando o mantra BUDDHO. Faz desta uma prática habitual. Quanto mais cansada te sentires, tanto mais subtil e focada deve ser a tua concentração, a fim de poderes suportar as sensações dolorosas que surgirem. Quando começares a sentir-te fatigada, então interrompe todo o teu pensar, deixa que a mente se recomponha e depois volta a aplicar-te à respiração. Continua a recitar interiormente BUD-DHO, BUD-DHO. Esquece tudo quanto é externo. Não te agarres a pensar nos teus filhos e parentes, não te agarres seja ao que for. Esquece o resto. Deixa que a tua mente se concentre num único ponto e que a tua mente recomposta se concentre na respiração. Permite que a respiração seja o único objecto de conhecimento. Concentra-te até a tua mente se tomar crescentemente subtil, até os sentimentos se tomarem insignificantes, até haver dentro de ti uma grande clareza e consciência. Depois, quando as sensações de dor surgirem, elas gradualmente cessarão. Finalmente, encara a respiração como se fosse um parente que te viesse visitar. Quando um parente se vai embora, acompanho-lo com o nosso olhar. Observamo-lo até ter desaparecido de vista e depois voltamos para dentro de casa. Observamos a respiração da mesma maneira. Se a respiração for difícil, sabemos que é difícil; se for suave, sabemos que é suave. Ao tornar-se crescente mente mais ténue, continuamos a segui-la, enquanto simultaneamente acordamos a mente. Eventualmente, a respiração acaba por desaparecer totalmente e tudo o que resta é o sentimento de acordar. Isso é o que chamamos encontro com o Buda. Temos essa clara consciência desperta, chamada «Buddho», aquele que sabe, aquele que está desperto, o radioso. É o encontro e o habitar com o Buda, com o conhecimento e á claridade. Foi por o Buda histórico de carne e osso ter entrado no Parinirvana, o verdadeiro Buda, o Buda que é conhecimento radioso, que podemos ainda experimentar e atingir hoje e quando o conseguirmos, e o coração é um só.
Assim, esquece tudo, desprende-te de tudo, de tudo, excepto do conhecimento. Não te deixes enganar se na tua mente durante a meditação surgirem sons ou visões. Deixa-os de lado. Não te agarres a nada. Permanece apenas com esta consciência não dual. Não te preocupes com o passado ou com o futuro, permanece apenas calma e atingirás o lugar de onde não há avanço, não há recuo, não há paragem, onde não há nada a que te agarres. Porquê? Porque não há o ser, não há o «eu» ou o «meu». Desapareceu tudo.
O Buda ensinou-nos a esvaziar-nos assim de tudo, a não transportar nada connosco. Conhecendo e tendo conhecido, larga tudo.
Compreender o Dharma, o caminho para a liberdade da roda do nascimento e morte é uma tarefa que todos temos de executar sozinhos. Assim, procura tentar largar as coisas e compreender os ensinamentos. Esforça-te na tua contemplação.

Não te preocupes com a tua família. De momento, eles são como são, no futuro serão como tu. Não há ninguém no mundo que possa escapar a este destino. O Buda disse-nos que quebrássemos com tudo a que falte uma verdadeira substância permanente. Se puseres tudo de lado, verás a verdade, se não, não a verás. É assim que as coisas são e é a mesma coisa para todos neste mundo. Assim, não te preocupes e não te agarres a nada.

Mesmo que dês contigo a pensar, tudo bem, desde que penses sabiamente. Não penses estultamente. Se pensares nos teus filhos, pensa neles com sabedoria, não com estultícia. Seja o que for em que a tua mente se prenda, então pensa e conhece essa coisa com sabedoria, consciente da sua natureza. Se conheceres algo com sabedoria, então solta-te e não experimentarás sofrimento. A mente ficará brilhante, alegre e em paz e ao afastar-se das distracções fica indivisa. Mesmo agora, podes procurar ajuda e o apoio é a tua respiração.

Esta é a tua própria tarefa, de mais ninguém. Deixa os outros fazerem o seu trabalho. Tu tens o teu próprio dever e responsabilidade e não tens de carregar os da tua família. Não carregues nada mais. Abre mão de tudo. Esse abrir mão acalmar-te-á a mente. A tua única responsabilidade neste preciso momento é focar a tua mente e dar-lhe paz. Deixa tudo o resto aos outros. Formas, sons, odores, paladares - deixa isso para os outros. Põe tudo para trás das costas e cumpre a tua própria responsablidade. Seja o que for que surgir na tua mente, seja medo da dor, medo da morte, ansiedade quanto aos outros, seja o que for, diz-lhe: «Não me perturbes. Já não tenho que me preocupar contigo.» Continua a dizer isso para ti mesma quando vires surgir esses dharmas.

A que se refere a palavra dharma? Tudo é um dharma. Não há nada que não seja um dharma. E que dizer do «mundo»? O mundo é o próprio estado mental que te está a agitar neste momento. «Que irá fazer esta pessoa? Que irá fazer aquela pessoa a si mesma?» Assim, seja o que for que te vier à mente, diz: «Não tenho nada a ver contigo. És impermanente, insatisfatório e não-ser.»

Pensar que gostavas de continuar a viver durante muito tempo far-te-á sofrer. Mas pensar que gostarias de morrer mesmo agora ou morrer muito depressa também não está certo, pois é sofrimento, não é? As condições não nos pertencem; elas seguem as suas próprias leis naturais. Nada podes fazer quanto à forma de ser do corpo. Podes petrificá-lo por um pouco, torná-lo atraente e puro durante algum tempo, como as jovens que pintam os lábios e deixam crescer as unhas, mas quando a velhice chega, estão todos no mesmo barco. É assim que o corpo é, não podes fazê-lo de outra forma. Mas o que podes melhorar e embelezar é a mente.

Todos podem construir uma casa de madeira e tijolos, mas o Buda ensinou que esse tipo de lar não é o nossa verdadeira casa, é apenas nominalmente nossa. É um lar no mundo e segue os caminhos do mundo. O nosso verdadeiro lar é a paz interior. Uma casa material exterior pode ser muito bonita, mas não tem muita paz. Há esta preocupação e depois aquela, esta ansiedade e depois aquela. Por isso, dizemos que não é o nosso verdadeiro lar, é-nos exterior, mais tarde ou mais cedo, temos de desistir dele. Não é um lugar em que possamos viver permanentemente porque realmente não nos pertence, faz parte do mundo. Com o nosso corpo é o mesmo, aceitamo-lo como sendo ser, como sendo «eu» e' «meu», mas de facto não é nada disso, é apenas outro lar mundano. O teu corpo seguiu o seu curso natural do nascimento até agora, está velho e doente e não podes impedi-lo de ser o que é, pois as coisas são assim. Querer ser diferente seria tão estulto como querer que um pato seja um frango. Quando vires que isso é impossível, que um pato tem de ser um pato, que um frango tem de ser um frango e que os corpos envelhecem e morrem, encontrarás força e energia. Por muito que queiras que o corpo continue e dure um longo tempo, isso não acontecerá.

o Buda disse:


Anicca vata sankhara

Uppadavayadhammino

Upajjhitva nirujjhanti

Tesam vupasamo sukho.


A palavra sankhara (samskara) refere-se a este corpo e mente. Sankharas são impermanentes e instáveis, chegando a existir, desaparecem. Tendo surgido, desaparecem, e, no entanto, todos querem que sejam permanentes. Isso é estultícia. Olha para a respiração.

Tendo aparecido, desaparecem, essa é a sua natureza, é assim que tem de ser. A inalação e a exalação têm de se alternar, tem de haver mudança. Os sankharas existem através da mudança, não o podes impedir. Pensa: poderias exalar sem inalar? Sentir-te-ias bem? Ou podes só inalar? Queremos que as coisas sejam permanentes, mas elas não o podem ser, é impossível. Assim que o ar da respiração entra, ele tem de sair, quando sair, volta de novo e isso é natural, não é? Nascemos, envelhecemos e adoecemos e depois morremos e isso é totalmente natural e normal. É porque os sankharas fizeram o seu trabalho, é porque a inspiração e a expiração se têm alternado que a raça humana ainda hoje existe.

Assim que nascemos, morremos. O nosso nascimento e a nossa morte são uma só coisa. É como uma árvore: quando existe raiz, tem de haver ramos. Se há ramos, tem de haver raiz. Não podes ter uma sem a outrá. É engraçado ver como na morte as pessoas ficam tão desanimadas e chorosas, temerosas e tristes e no nascimento felizes e contentes. É ilusão; ninguém jamais encarou isto claramente. Penso que se quiseres chorar, então é melhor fazê-lo quando alguém nasce. Porque realmente nascer é morrer, morrer é nascer, a raiz é o ramo, o ramo é a raiz. Se tens de chorar, chora na raiz, chora com o nascimento. Presta atenção: se não houver nascimento, não haverá morte. Consegues compreender isso?

Não penses muito. Pensa apenas: «É assim que as coisas são.» É o teu trabalho, é o teu dever. Neste preciso instante, ninguém te pode ajudar, não há nada que a tua família e os teus bens possam fazer por ti. A única coisa que te pode ajudar agora é uma correcta consciência.

Então, não vaciles. Não te prendas. Lança tudo fora. Mesmo que não queiras abrir mão, tudo está a começar a partir. Não percebes que todas as diferentes partes do teu corpo estão a tentar escapar? O cabelo, por exemplo: quando eras jovem, era espesso e preto; agora, está a cair. Está a ir-se embora. Os teus olhos eram sãos e fortes e agora estão fracos e a tua vista está nublada. Quando os órgãos já trabalharam o suficiente, vão-se embora; este não é o seu lar. Quando eras criança, os teus dentes eram saudáveis e firmes; agora, abanam; talvez até tenhas dentadura postiça. Os teus olhos, ouvidos, nariz, língua - tudo está a tentar partir, porque este não é o seu lar. Não podes fazer uma habitação permanente de um sankhara, podes ficar apenas durante um breve instante e depois tens de partir. como um inquilino a vigiar a sua casa com olhos enfraquecidos. Os seus dentes já não são bons, os seus ouvidos já não são bons, o seu corpo já não é tão saudável, tudo está a partir.

Então, não precisas de te preocupar com nada, porque esta não é a tua verdadeira casa, é apenas um abrigo temporário. Ao entrares neste mundo, deves contemplar a sua natureza. Tudo quanto nele existe, está a preparar-se para desaparecer. Olha para o teu corpo. Tens nele algo que ainda conserve a sua forma original? A tua pele é como costumava ser? Para onde foram essas coisas? É essa a sua natureza, é assim que as coisas são. Quando o seu tempo chegar ao fim, as condições seguem o seu caminho. Não podemos confiar neste mundo - é uma roda infindável de perturbação e dificuldade, prazer e dor. Não há paz.

Quando não temos um lar verdadeiro, somos como o viajante sem rumo a caminhar pela estrada, seguindo o seu caminho umas vezes por aqui, outras por ali, parando de vez em quando e recomeçando depois. Até regressarmos ao nosso lar verdadeiro, não nos sentimos à vontade, façamos o que fizermos, tal como alguém que deixa a sua aldeia e parte em viagem. Só quando ele chega a casa pode realmente descansar e repousar.

Em lado nenhum neste mundo encontramos verdadeira paz.

O pobre não tem paz e o rico também não. Os adultos não têm paz, as crianças não têm paz, os incultos não têm paz, nem tão pouco os muito cultos. Não há paz em lado nenhum. Essa é a natureza do mundo.

Os que têm poucas posses sofrem e o mesmo sucede aos ricos. Crianças, adultos, idosos, todos sofrem. O sofrimento de se ser velho, o sofrimento de se ser jovem, o sofrimento de se ser rico, o sofrimento de se ser pobre - tudo não passa de sofrimento.

Quando contemplares as coisas a esta luz, verás anitya, impermanência e duhkha, insatisfação. Por que razão estas coisa são impermanentes e insatisfatórias? Porque elas são anatman, não-ser.

Tanto o teu corpo deitado aqui doente e cheio dores como a mente que está consciente da sua doença e dor, chamam-se dharmas.

Aquilo que é informe, os pensamentos, sentimentos e percepções chamam-se namadharma. O que está atacado de achaques e dores chama-se rupadharma. O material é dharma e o imaterial é dharma. Assim, vivemos com dharma, em dharma e somos dharma. Na verdade, não encontramos o ser em lado algum, só há dharmas continuamente a aparecerem e a desaparecerem, pois essa é a sua natureza. Em cada simples momento passamos por nascimento e morte. Essa é a natureza das coisas.

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