As redes sociais ajudam a estabelecer contactos com
maior facilidade.
Inadvertidamente, fui observando Joanne Kuai
primeiro na TDM e depois nas redes sociais.
Estabelecemos breve contacto. Quis saber se ela
aceitaria uma breve entrevista, pois a sua ligação à comunidade portuguesa é
grande e isso despertou em mim curiosidade. Mal sabia eu que Joanne nasceu no
deserto do Gobi, na Região Autónoma de Ninxia Hui. Aos seis anos foi morar com
a avé em Kunming, Yunnan e fez o ensino primário lá. Depois foi para Shenzhen
até que foi para Beijing onde se formou em
jornalismo de radiodifusão e documentários na Universidade de
Comunicações da China. Durante o último ano da Universidade, ao abrigo de um
programa de estágio de seis meses, resultante de uma parceria entre a sua
Universidade e a TDM veio, veio para a TDM, no segundo semestre de 2010. Antes
de regressar, a estação de Macau ofereceu-lhe emprego. Aceitou e regressou a
Macau onde foi "âncora"durante três anos. Depois quis mudar de ares e
ei-la como editora e jornalista do Macau Business Daily. Verdadeiramente, uma
voz entre mundos.
António
Conceição Júnior
1.
Joanne, visitou recentemente Portugal. Foi
a primeira vez? Que sentimentos teve sobre as diferentes cidades (quais) em que
esteve? E as pessoas?
Foi a minha primeira visita a Portugal. Sou da
China continental e tenho vindo a trabalhar em Macau há quase quatro anos.
Antes disso, tinha uma ideia muito vaga sobre Portugal - a sua localização e
alguma breve história aprendida na escola. Mas desde que eu trabalho em Macau e
fiz um monte de amigos portugueses, eles têm-me dito constantemente o quão
grande é o país apesar da crise econômica que trouxe alguns deles aqui. Falaram-me
do clima agradável, do céu azul, dos dias de sol, praias, edifícios históricos,
incríveis paisagens, óptima comida e pessoas amigáveis e acolhedoras. Comecei a
ficar curiosa e impressionada com o quão orgulhoso os portugueses são do seu
país e como pessoas de diferentes cidades contam histórias diferentes.
Depois da minha viagem a Portugal, está tudo
confirmado, já que este pequeno país - em termos de tamanho em comparação com a
China - tem maravilhas intermináveis que me mantiveram sempre surpreendida.
Cada cidade tem o seu charme único. A paisagem pode variar muito em pequena
escala. Trinta minutos de carro de um lugar para outro pode levar a um mundo
totalmente diferente.
Em relação às pessoas, confirmei a cultura
descontraída dos jortugueses que já experienciara com os meus amigos
portugueses em Macau. Além disso, sinto que as pessoas tendem a saber como
aproveitar a vida melhor, pelo menos melhor do que os chineses em geral.
Existem muitos cafés, pastelarias, para as pessoas tomarem um café e comerem um
à tarde, reunindo-se com os amigos ou simplesmente sentarem-se e relaxarem. O
hábito de beber cerveja a partir da tarde é generalizado em todo o país. Também
no tempo de verão, o sol só se põe apenas pelas de 21:00 horas. Isso finalmente
clarificou o quebra-cabeças que eu tinha há anos por os meus amigos portugueses
jantarem sempre tão tarde. Então, a vida noturna continua com muita diversão e
gargalhadas. Também tive a honra de ser convidada para casa de amigos
portugueses, onde fui recebida com todo o coração, certificando-se que eu tinha
gostado do meu tempo lá.
2.
Quais as coisas que mais a tocaram?
É realmente difícil escolher o momento
"mais", porque realmente gostei de toda a minha estadia em Portugal.
Eu diria que a experiência de pára-quedas no
Algarve foi definitivamente um ponto alto, e quando voando no céu olhando por
cima da costa Algarvia, foi um momrnyo para além das palavras.
Há um outro momento mágico que eu gostaria de
compartilhar: cheguei ao Porto de comboio vinda de Coimbra, no período da
tarde. No momento em que pisei o chão fora do combóio, vi essa luz amarela
poética que brilha através das grandes janelas da Estação de São Bento, o nome
da cidade "Porto" inscrito sob o relógio, alguns passos à frente
passando um portão de tecto alto, e vi-me cercada por azulejos nas paredes,
onde senti como se pudesse quase respirar o ar da história antiga. Saindo da
estação, senti a fria, mas refrescante brisa, pássaros brancos que voam sobre o
céu azul, edifícios históricos na minha frente, típicas ruas de paralelepípedos
que me fizeran lembrar Macau - é claro que eu sei que Portugal é o original,
mas a familiaridade deu-me uma sensação de calor - e ouvi música jazz ao vivo tocada
ao virar da esquina. O momento era simplesmente mágico e eu até disse para mim
mesma, não é nada difícil apaixonar-me pela cidade, o Porto.
3.
Como vê a arquitectura tradicional de
Macau como o Largo do Senado ou o Bairro de S. Lázaro?
Acho que o mais maravilhoso sobre os locais
históricos de Macau é a sua singularidade, uma combinação orgânica, integrada e
harmoniosa entre o Oriente e o Ocidente - que pode soar como um clichê, mas ao
caminhar por uma igreja depara-se-nos, alguns passos à frente, um templo chinês.
Não é uma cena que se possa encontrar pelo mundo.
As arquitecturas em áreas bem preservadas são encantadoras.
Ao contrário das que vi em Portugal, onde as artes de rua estão muito bem
combinadas com locais históricos. A arquitectura histórica de Macau é ainda
mais tradicional e preservada da maneira que é. Uma coisa que eu aprecio é que
visitar esses locais em Macau é gratuito, enquanto que em Portugal existem
locais históricos que cobram aos turistas dinheiro para visitar.
Sente-se que os locais históricos de Macau como que fazem parte da vida dos
seus moradores, pois estão muito ligados à cidade, como no próprio centro da
cidade, ao contrário dos da China onde se tem de viajar horas para visitar um local
histórico.
Os vários eventos que acontecem nesses locais
históricos são muito interessantes e atraentes e trazem vida a esses lugares,
como os concertos na Fortaleza do Monte, Festas em São Lázaro e até mesmo as
projecções em 3D nas ruínas de S.Paulo.
4.
Na sua perspectiva, o que faz a diferença
em Macau, por comparação com a grande China?
Como uma chinesa do continente, Macau, como Região
Administrativa Especial, não tem uma posição especial para mim,
psicologicamente. Cresci ouvindo uma canção dedicada à transmissão de soberania.
Tem uma bela melodia, mas a letra diz que "Macau não é meu nome
verdadeiro, por favor chame-me Ao Men".
Depois da minha primeira visita aqui como turista
em 2005, Macau para mim foi uma cidade com uma história colonial que resulta num
estilo de arquitectura diferente da maior parte da China Continental, uma
estranha praia com areia que é realmente preta, e comida portuguesa e pastéis
de nata. Engraçado o suficiente, eu fui ao Dumbo, assumindo que era um
restaurante Português muito bom, que mais tarde, desde os dias que tenho vindo
a trabalhar aqui, nunca mais fui nem nunca ouvi que qualquer dos meus amigos
portugueses o tenham frequentado. Além disso, apesar de serem ambas Regiões
Administrativas Especiais, percebi o quão diferente Macau é de Hong Kong.
Quando regressei em 2010, o gigantesco Grand
Lisboa de forma estranha, já estava erguido no centro da cidade. O
desenvolvimento do Cotai é definitivamente algo bastante singular como Macau é
o único lugar na China onde o jogo é legal e o Cotai é basicamente dedicado a
isso.
Enquanto a cidade deveria ser muito avançada, como
o turismo está crescendo e há muitos hotéis sofisticados, carros de luxo super
e coisas assim, a vida quotidiana das pessoas está ainda bastante ligada aos
velhos tempos. Para citar um exemplo, em 2010, não havia cinema UA no Galaxy,
apesar do teatro da Torre de Macau. A primeira vez que fui ao Cineteatro Macau,
onde se tem de comprar com antecedência o bilhete, a partir das 14:00 horas,
quando se quer assistir ao filme, o número do assento é realmente escrito pelo
funcionário, não há nenhum sistema de reservas on-line, os bilhetes impressos
não existem. Isso apanhou-me de surpresa. Sem mencionar o Cinema Alegria, onde
a equipa da bilheteria até nos orientá para comprar comida de rua em redor para
se levar para o cinema, e de vez em quando há ópera cantonense, mas o projetor
e sistema de som era surpreendentemente bom. Algumas partes da cidade dão-me a
sensação de que estão congeladas no tempo.
Desde que comecei a trabalhar aqui e passar os meus
dias de folga vagueando pela cidade, mais "estranhos encontros" aconteceram
e comecei a misturar-me melhor também. Gostaria apenas de me deixar perder
nesta cidade e encontrar ao virar da esquina, uma tenda de comida interessante,
ou uma loja de antiguidades, uma alfaiataria, o cheiro de medicina chinesa, ou
frutos do mar secos, um café moderno, ou um bar escondido. O chamado caldeirão
de cultura é atractivo. Vemos igrejas, templos, mesquitas para outras
comunidades. Aqui, eu faço amigos vindos de toda a parte do mundo, as pessoas
com culturas e religiões diferente vivem num ambiente harmonioso.
Além disso, eu posso conversar com o casal de
idosos que, em baixo de minha casa vende sumos e quando eu me esqueço de trazer dinheiro eles
simplesmente me oferecem o sumo. Há momentos eu sinto o 'Ren Qing Mei " - solidariedade,
toque humano - que as pessoas de Macau falam e de que tanto se orgulham, mas às
vezes lamentam o seu desaparecimento.
Também me espantei com tantas ofertas diferentes numa
escala tão pequena: encontramos os óbvias extravagâncias dos casinos; as ruas
estreitas de paralelepípedos da cidade estão povoadas por muitas lojas e lugares;
o interior dos edifícios industriais estão cheios de surpresas de todos os
tipos de atividades, como ginásios, casas de música ao vivo, galerias,
padarias, etc; locais também históricos, incluindo o meu favorito Farol da Guia
e a Penha; e um pouco para o sul, há a natureza, montanha, praia e mar, uma completa
mudança de cenário.
A cidade começa a crescer em mim. Às vezes sinto
como se fosse a cidade no filme de animação de Hayao Miyazaki - Entrega de
Kiki.
Tendo dito isto, e apesar do ambiente descontraído
e relativamente livre que temos aqui, a falta de eficiência da administração e
aborrecimentos diários, tais como a poluição do ar e do insuportável trânsito,
onde você sente como numa cidade tão pequena há tantas coisas que o governo
poderia fazer, mas não faz, e isso perturba-me.
Além disso, como trabalhadora não-residente aqui,
especialmente sendo proveniente da China Continental, francamente, às vezes não
posso deixar de me sentir excluída. Em primeiro lugar, não nos garante a
residência. Não importa quanto tempo trabalhe aqui, não irei ser
automaticamente admitida pelas autoridades e tenho de lidar com a burocracia do
pedido do cartão azul, prolongamento período de autorização de trabalho, etc.
Ouvimos consistentemente os legisladores que
defendem o limite de importação de trabalho, e eu pergunto-me como pode uma
cidade posicionar-se como internacional fazer isto, sobretudo tendo tantos
projectos em desenvolvimento.
Não estou a falar sobre o direito ao voto, ou a
distribuição de rebuçados pelo governo. O pior caso acontece quando seus
direitos básicos não são devidamente salvaguardados. Uma vez que a pessoa perde
o seu emprego, tem de saír da cidade num período muito curto de tempo. Você
pode ter o seu namorado ou namorada, casa recém-alugada, mas não tem a
legalidade para ficar na cidade. Nem a liberdade de mudar de emprego pois o seu
empregador pode simplesmente recusar e você terá que esperar pelo menos seis
meses fora devido à política do governo.
Como existem tantos riscos que impedem de me
sentir à vontade ou sentir-me em casa, às vezes inclino-me a dizer a mim mesma
para não me afeiçoar demais. Assim, há sempre este sentimento de ser uma estranha.
Ver aqui o texto publicado no Hoje Macau