quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A ERA QUE É


Não há nada mais difícil de considerar, mais perigoso de conduzir, ou de sucesso mais incerto do que liderar a introdução de uma nova ordem.
Nicolau Maquiavel

Num único período de apenas cem anos, a humanidade conseguiu violar o planeta que habita de forma tão drástica que a mudança se torna quase irreversível.
O chocante reside precisamente no ratio entre a idade do homo sapiens – duzentos mil anos – e o tempo curtíssimo da devastação do planeta.
A esta desleixada humanidade da idade do plástico, poluidora dos oceanos, juntam-se  conscientes líderes que sugam combustíveis fósseis que levaram milhões de anos a converterem-se no tão volátil ouro negro.
E se a camada de ozono, o efeito estufa se vai manifestando pelas já severas mudanças climáticas e comportamentos atmosféricos nunca dantes sentidos, tais manifestações não são ainda suficientes para deter consciências que continuam a destruír florestas tropicais, expulsando da inocência tribos inteiras, agora destituídas e prontas para a sua própria extinção.
A emergência, no país mais poderoso do mundo, de um louco e alucinado populista, contrário à defesa das fragilidades climáticas tem causado na sociedade das nações notórias preocupações. E, com esta postura, gerou no seio dos países responsáveis um vazio.
E porque o vazio se destina a conter, veio a R.P. da China muito bem ocupar o lugar que entende - e merece - entre as nações do Acordo de Paris e liderar a transmutação necessária, assumindo as próprias culpas, e procedendo a reparações tão gigantescas quanto a sua escala como país.
painéis solares nos mares da China

Bonaparte, que se perdeu no general Inverno russo, foi o primeiro a entender o tremendo poder que adviria de um despertar da China, poder que se tem vindo a afirmar de forma tipicamente chinesa, subtil, construtiva, colaborante, como insinuam a política da Faixa e a Rota.

Assistimos assim, na retoma do tema, a uma corrida para a salvação do planeta e, também, para a determinação de um futuro onde o homem possa dizer que se resgatou, apesar do reino da indiferença que este habita.


É essa mesma indiferença que tem vindo a liquidar paraísos e destruír culturas, xamanistas ou animistas, que permaneceram milénios voltadas para a Natureza, sem cargas de culpas, silícios ou cordeiros sacrificiais.
O resgate a haver implica, para mim, a redenção completa do homem enquanto ser universal. 
Sem essa incompletude, a Terra não poderá tornar a ser o que era.  


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O SÍNDROMA DO KEN LEE

O media é a mensagem. Isto é apenas dizer que as consequências pessoais e sociais de qualquer meio de comunicação (media) - ou seja, de qualquer extensão de nós mesmos - resultam da nova escala que é introduzida nos nossos assuntos por cada extensão de nós próprios ou por qualquer nova tecnologia.
Marshall McLuhan


Um dos dilemas que assaltam as sociedades da globalização é a sua ilusão relativamente ao real acesso a essa mesma aldeia global como lhe chamou Marshall McLuhan.  
Nem sempre o acesso ao global é real. A comunicação realiza-se verdadeiramente apenas quando se interpretam as culturas envolvidas com suficiente conhecimento das mesmas.
Quando Roma invadiu a Gália trazia consigo moeda cunhada. As tribos gaulesas quiseram imitar o Império, e dessa imitação resultou, adivinhe-se, algo que de moeda cunhada tinha pouco em comparação com o áureo, o denário de prata, o sestércio de bronze e assim sucessivamente. É que a imitação nunca é bem sucedida se a sua origem não for entendida.
No Youtube corre um video que representa paradigmaticamente o que acabo de afirmar. Porém, em vez da ancestral moeda, deparamo-nos com um concurso de canto onde uma rapariga se apresenta perante um grupo de jurados para cantar "Ken Lee".
O interessante é que tudo o que ela canta é um equívoco maior do que o gaulês, porque a sociedade da informação pressupõe, como base, uma língua comum de comunicação, que deixa de ser língua para ser instrumento. 
É assim que o desempenho de uma jovem búlgara surge confrangedor, porque no presente, e que se traduz nisto:

No one ken to ken to siven
Nor yon clees toju maliveh
When I gez aju zavateh na nalechoo more

New yonooz tonigh molinigh
Yon sorra shoo
Yes ee shoo, ooo

Ken lee...
Tulibu dibu douchoo...

I can't live...
I can't live anymore

Este exemplo-paradigma do equívoco constitui amostra viva e mais que contemporânea de que a internet por si não basta.  A premissa do domínio de uma outra língua, sendo fundamental, também não é suficiente. É preciso conhecer a cultura que a sustenta, coisa que no caso de "Ken Lee" não sucede e assim se pode vivenciar o resultado.
Assim, a grande questão é a percepção do que é cultura e, simultaneamente, a sua desmitificação como exercício de libertação intelectual. 
É nesse aspecto que, nas sociedades culturalmente menos desenvolvidas ou anquilosadas, o equívoco se torna num fenómeno percepcionável para o observador.
Em todo o lado existem exemplos de equívocos. Veja-se o caso do mobiliário genuinamente chinês que, na origem, é de uma grande sobriedade e síntese. Porém, com o século XIX e as viagens para o Sul da China, surge a percepção de que o mobiliário chinês é o super-trabalhado, equívoco mútuo porquanto também o entalhador entende que é disso que o ocidental gosta. É, por exemplo, importante esclarecer que um asiático só pode ser um ocidentalista, tanto quanto só um ocidental pode ser um orientalista, razão porque tantas vezes o equívoco se alimenta de si próprio.
É nesse sentido que importa terminar com a transcendência da cultura, porque não é institucionalizável. A cultura é a expressão individual ou grupal dos valores e das tradições de um colectivo que o identificam enquanto nação (grupo de indivíduos). 
Esse colectivo, para manter a genuinidade da sua expressão, tem de ser sustentado por autores, individuais ou colectivos, cuja principal característica residirá na/s sua/s capacidade/s de expressão.
O artista plástico, o músico, o actor, o realizador, o bailarino, o escritor e o poeta são autores cujo destino é representarem algo que sendo seu, necessita da genuinidade de ser algo que bem sabem conjugar e não a usurpação de casos exógenos, tantas vezes já gastos pelo tempo.(Anos 60 a 80  do século XX).
A génese de Macau constituiu o primeiro dos grandes processos de hibridação genética que muito mais tarde se iriam repetir em países bem mais jovens, como no continente Norte Americano.
Essa hibridação já proveniente de Goa e Malaca originaria os chamados macaenses, nação de indivíduos geneticamente singulares, colectivamente capazes de gerir duas culturas e duas línguas de origens opostas. Essa mestiçagem, de que gratamente faço parte, teve um papel fundamental na conjugação de verbos diferentes e que hoje deveria ser o modo de acesso de Macau à aldeia global, ao universalismo que se abre aos nossos olhos, já que as monoculturas têm tradições demasiado hirtas e confinadas. 
A condição étnica de macaense não pode nem deve ser um processo de onanística regurgitação nem de entrincheiramento isolacionista. Muito pelo contrário, essa condição tem de ser entendida como um passaporte para a abertura, um trampolim de acesso a outros patamares de conjugação a que chamarei de universalismo. Todos os bunkers onde os menos destemidos se refugiam tornam-se poços de empobrecimento intelectual.   
Embora os discursos oficiais de sempre falem da multissecular amizade, sempre houve fronteiras entre as duas culturas matriciais e, a atestá-lo, está a falta de heróis colectivos que permitam nomear as identidades em presença. 
Falta fazer uma maior divulgação de personagens como Pessanha, Silva Mendes, Francisco Hermenegildo Fernandes, José Vicente Jorge e mesmo Wenceslau de Moraes para que melhor se compreenda quanto de comum há neles, e na velha amizade entre Silva Mendes e o abade Sek Kin Seng, ou com Soi Cheong e A-Meng, entre outros.
Esperançosas notícias são o facto de, há bem pouco tempo se ter apresentado numa encenação de caixa preta a peça "Canção de Cheong Sam" em canto Naam Yam, adaptação de um conto da escritora macaense Deolinda da Conceição. Tive oportunidade de perceber o interesse de Luciano Ho, cantor de Naam Yam (canto do sul e classificado como património intangível de Macau) pela cultura do Outro. Porém, o tema da peça é exactamente o olhar desse outro sobre a sua própria cultura. Eis, assim, uma conjugação de dois olhares num mesmo património da Memória desta cidade.
Porém o destino do macaense, não sendo transcendente, é universal. 
Esta sua vocação tem-se cumprido na diáspora, porquanto na sua terra não é verdadeiramente compreendida, por desconhecimento das suas potencialidades e receio da conjugação. Aqueles capazes de romper fronteiras são remetidos à figuração, coisa pobre, insólita e inaudita, numa idade global onde o entrecruzamento de ideias é imperativo. 
Sempre que os poderes se entrincheiram, tornam-se incapazes de entender a realidade, preferindo uma ilusória construção.
Assim, o que resta é converter o "Ken Lee" em canção de hit parade.

domingo, 10 de dezembro de 2017

O SEGUNDO RENASCIMENTO

Talvez esta reflexão pudesse começar com "era uma vez". Porém, a história da China é demasiado longa e neste caso interessa-me revisitar o seu passado recente, quando por volta de 1977 Deng Xiaoping tornou ao poder, consolidando-o desta vez. O ex-estudante em França, agora solidamente sentado na cadeira do poder, trazia em si um olhar pragmático para a sua China. Para trás ficavam os dogmas e excessos da Revolução Cultural.
Deng queria uma China moderna, passo a passo. Primeiro permitiu que os camponeses viessem vender os seus produtos nas cidades. Com o crédito alcançado por esse sucesso, o pragmatismo desenvolve-se. Uns anos mais, diria que "o socialismo não significa pobreza". Isso recorda-me quando, ainda nos finais do anos 70, para chegar a Guangzhou, tive de atravessar de jangada quatro ou cinco braços de rio. Hoje a viagem faz-se de comboio rápido.
Deng, fazendo uso de máximas chinesas, definiu as primeiras medidas de abertura interna que conduziriam à emergência de uma economia socialista de mercado. Nesse pragmatismo, em que o socialismo fica salvaguardado, afirmou que não lhe importava que um gato fosse branco ou preto, mas sim que caçasse ratos. 
Citam-se frases deste líder da abertura da R.P. da China. Premonitoriamente afirmou:"quando os nossos milhares de estudantes regressarem a casa, irão assistir à transformação do País". Crítico, comentou que "os jovens quadros sobem de helicóptero. Precisam de subir passo a passo". Afirmaria também "procura a verdade nos factos".
A China do século XIX trazia a todos os patriotas más recordações. Era preciso consolidar uma política de firmeza quanto ao território chinês. Deng Xiaoping formula a sua máxima de "Um País, dois Sistemas" com o intuito de, pacificamente e através de acordos, retomar os territórios de Hong Kong e de Macau, recebendo estes a classificação de "Segundo Sistema". O intuito era de que, através de um fenómeno de capilaridade, e no período de meio século, o desenvolvimento das Regiões Administrativas Especiais pudesse contaminar o continente.
Não foi porém preciso, porque o pragmatismo de Deng virou-se para o interior onde aos poucos nascia um mercado produtor e consumidor interno. 
Nas últimas décadas a prosperidade bateu à porta de muitos. Em 2002 a classe média era de apenas 3 por cento, mas uma década depois, em 2012, já correspondia a 31 por cento, ou seja, 420 milhões!!! 
Se as assimetrias ainda existem, não estarão esquecidas e a solução vem com a emergência dos novos heróis, os milionários e bilionários chineses, homens como Wang Jianlin (31.3 mil milhões USD), Jack Ma (28.3 mil milhões USD) no topo de uma lista dos vinte mais ricos cuja mais baixa fortuna é de 6.3 mil milhões de USD.
É assim que, com visão a longo prazo, uma característica do Primeiro Sistema, os milionários se tornam também nos motores de desenvolvimento do País, em sintonia com o Estado. 
Deng é já uma memória reverenciada. As novas lideranças seguem o trajecto. A afirmação política como potência internacional é importante. Em 2008 as Olimpíadas são o cenário ideal para uma dessas afirmações.
Zhang Yimou encena um espectáculo belíssimo de abertura que ficou na minha e terá ficado na memória de muitos.
O estádio ninho de andorinha
As mulheres Tang do Renascimento Chinês
Os seguidores de Confúcio
A invenção dos tipos móveis

Os tempos de Li Ning já vão longe. A afirmação da R.P. da China é total. 51 medalhas de ouro, 21 de prata e 28 de bronze.
A velocidade de transformação da China é enorme. A economia, nos anos 1990, tinha chegado a um crescimento inaudito de dois dígitos. O mundo assustava-se.
Aliás, a China actual tem mostrado, à semelhança do Renascimento dos Tang (618-904), uma ampla abertura ao exterior.
É assim que, tal como Deng regressou de França, milhares de quadros foram estudar na Europa Ocidental, municiando-se, bebendo do Ocidente, imperativo para a globalização, muito provavelmente inteiramente apoiados pelo Estado Chinês.
Mas se a excelência da apresentação e dos resultados olímpicos foram uma incontornável afirmação política que já vinha sendo preparada desde os tempos de Li Ning, cada vez com maior excelência, é fundamental que Macau aprenda não apenas com a China mas com o mundo, sem medo, sem preconceitos, porque os quadros locais estão longe de terem capacidades e abertura ao mundo, que só poderão adquirir lá fora. Mas, mais do que isso, é importante que o Governo de Macau lhes suporte por inteiro estudos de especialização e de línguas estrangeiras no exterior, e que estes se integrem , sem se acolherem na companhia de colegas, o que seria refúgio indesejável.
Os grandes projectos internos de arquitectura na China decorrem de concursos ou convites internacionais sem que se tenha de concessionar a arquitectos chineses, só porque sim. 

Que o digam Siza Vieira, arquitecto Português prémio Pritzker, com o seu Edifício sobre a Água na cidade de Huai'an, província de Jinan.
Nunca a excelência, venha de onde vier, constitui um erro. Os líderes chineses sabem-no.
O desenvolvimento da China está em todo o lado e faz empalidecer as R.A.Especiais. 
Com efeito, em Guangzhou, o Guangzhou Evergrande Taobao, verdadeiro gigante do futebol, assinou há anos com o Real Madrid um protocolo para se criar a maior academia de futebol do mundo, desporto tanto do agrado de Xi Jingping. E eis que, assim, em mais de 75 campos, se planeiam desde já as estrelas de amanhã, enquanto a importação de técnicos se faz descomplexadamente, porque um dos paradigmas do conhecimento é o reconhecimento das próprias limitações. A busca da excelência é total, e a Evergrande aliada à Tao Bao são um colosso financeiro. Trabalha-se, como se imagina, para o médio prazo.
Academia do Guangzhou Evergrande. 75 campos de futebol

No campo das Artes, há uma cidade que me tocou profundamente. Trata-se da histórica cidade de Hangzhou, próxima de Xangai, mas possuidora de uma Academia de Arte que mostra bem o nível de abertura cultural, cultura que se estende ao modus vivendi.
E desta Academia, sediada numa cidade conhecida pelo seu lago ocidental, o Shi Hu, pela sua placidez, pela proibição das buzinas dos automóveis, respira-se um ambiente propício a tudo o que é reflexão, estudo, criação. Tê-la visitado, constituiu para mim uma experiência enriquecedora da existência de outros mundos que não precisam da nossa circunstância, e que produzem coisas brilhantes.
Academia de Arte de Hangzhou por Albert Parsons prémio Pritzker

E a cidadania é tudo isto, é a busca permanente da excelência que só existe com a abertura das mentes, com o recurso a quem sabe em alternativa à ignorância – esse não saber que não se sabe – independentemente da sua situação ou origem, para que se possam formular projectos credíveis para que a R.A.E.M. possa corresponder às expectativas que a Mãe Pátria tem, quando fala de diversificação, que não se fará nunca sem um suporte cultural, que urge ser dado aos quadros locais.
E porque a expressão cultural e artística são o espelho da vida de uma sociedade, aqui se deixam alguns exemplos provenientes de Hangzhou.
Outra perspectiva do imenso laboratório da Academia.

A arquitectura de Parsons mostra a correcta e culta absorção da arquitectura chinesa e o recurso a materiais que a invocam.
Pan Gong Kai
Wang Dongling
Chao Guo

UM OUTRO RENASCIMENTO
Sendo o homem uma circunstância, perceber-se-á que o ambiente envolvente é de extrema importância, condicionador ou potenciador do desenvolvimento humano.
Mas para que tudo isto se realize com o nível de excelência que a R.P. da China nos habituou é preciso que se insira também no movimento integrador da Grande Baía traçado pelo Presidente Xi Jingping. Agora que o crescimento interno é uma realidade em contínua consolidação, Xi Jingping volta-se para o exterior, formulando pela política da Faixa e da Rota – a Faixa económica da Rota da Seda do século XXI – que propõe ao mundo em geral e aos países emergentes em particular, o usufruto da cooperação e do usufruto das vantagens da conectividade.
Curiosamente Portugal, país dito periférico, mas o mais antigo da Europa, tem vindo a erguer-se através de grandes personalidades, desde António Damásio, neurocientista autor do "Erro de Descartes" e director do Brain and Creative Institute da Universidade da Califórnia até Horta Osório, o salvador do Lloyds Bank, ou o recém-falecido Belmiro de Azevedo, que estimulava os seus subordinados a terem as suas próprias empresas. Do primeiro Secretário-Geral das Nações Unidas unânimemente eleito, António Guterres, até ao Presidente da República Portuguesa que está em todo o lado, conferindo com a sua presença a atenção aos mais necessitados, enquanto o Ministro das Finanças Mário Centeno, recém-eleito Presidente do Eurogrupo por unanimidade à segunda volta. Há ainda Cristiano Ronaldo, cinco vezes o melhor jogador do mundo e José Mourinho, o treinador especial e tantos outros que brilham por vários continentes, e diversos campeões mundiais, além de artistas, de Júlio Pomar a Paula Rego, provenientes de um país pequeno que é o primeiro destino turístico da Europa.
Por causa da memória portuguesa, Macau foi designado, como Plataforma para os países Lusófonos. A grande China não tem complexos com a história de Macau. Os grandes líderes caracterizam-se pela visão ampla e assim, o legado da portugalidade em Macau, os seus elementos conjugadores deveriam ser ainda mais valorizados pela sua inimitável singularidade.
É e será sempre através das capacidades de conjugação e articulação cultural que se procederá à transformação das mentalidades, sobretudo para quem precisa de substituír certezas por dúvidas. E a partir delas procurar a exigência em desfavor da ignorância, a excelência em alternativa à mediocridade.
Todo o desenvolvimento requer um trajecto. E todo o trajecto um ideário, uma linha de pensamento coerente, fundamentada, a curto e médio-prazo, expressa com os pés bem assentes na terra.
Numa cidade multi-milionária como a R.A.E.M., super-excedentária, apenas a excelência faz sentido, não a má tradução, por exemplo, para o termo "talentos". É que qualquer tradutor (universalmente tradutore-traditore)precisa de vivenciar a cultura da língua que procura interpretar, porque é na interpretação que a tradução se clarifica. E sem verdadeira interpretação não há comunicação fiel.


É assim que em todo este contexto, emerge a consciência de que a fantástica biblioteca do distrito cultural de Binhai, em Tianjin ameaça tornar-se uma vulgaridade na China, à medida que o País progride cultural e civilizacionalmente neste novo Renascimento. 
O meu receio porém é que, em certos lugares, a vulgaridade seja a pouca importância que certos protagonistas dão a bibliotecas, quanto mais à cultura ou a distritos culturais... 

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

FROM REALITY TO THE TRUTH OF ARMELLE DE LAINSECQ



She is French, creative, and living in Macau for 25 years.
She has a slim look, the eyes are blue, shaded black, very penetrating. Here and there, one can find a glance between amusement and irony.
It is the second exhibition of Armelle De Lainsecq, and it is not surprising. Also permitted a reunion with her husband, Jacques Lenantec, sculptor.
When we look at the photomontages of Armelle De Lainsecq, we inevitably find ourselves faced with delusions that may lead to the classification of surrealists, but I do not think so. They are rather a keen observation of reality and its personal interpretation of reality, its own truth.
The artist produced three series called "Macao Illusions", "All in One" and "Dechronologies".
Armelle De Lainsecq questions what she sees and feels and builds an unmasked world, where all the people fall so that what they supposedly hide appears naked, like the urban circus where the condiment of irony reigns.
Armelle De Lainsecq thus proposes three readings, one that is naturally dear to me, that of the city and its present truth - Macao Illusions - another, the appropriation and manipulation of paintings by Rembrandt, Cézanne, Manet, Delacroix and others, where the technical requirement is exquisitely evident in brilliant reconstructions that seem to inquire with a "what if ..." and that are from the series "All in One" and a third, "Dechronologies" where, with a photo manipulation technique, creatively updates characters from other times.
In all cases we are before someone with a remarkable analytical ability, and an ironic indisputable, integrating a family of artists, like his husband, the sculptor Jacques Lenantec and Vincent, the son who makes tattoos.
All this circulation by the territories of what exists exogenously, but especially by its interpretation, requires a space where one can meditate and speculate on these areas.
Hence the understandable seclusion for the decanting between the appearance of the real and the reality that exists only within us.
The portrait appeared later, and with it dead natures, broken limbs, an obsession with the portrait of reality, the same quest for perfection residing in its photomontages.
And it was there that the conversation was born, after the inauguration of its Exhibition at Creative Center, worthy of a visit by the Macao public.

* * *

THE IRONY OF REALISM
António Conceição Júnior

How long have you been living in Macao?
A.L.: From 1983 to 1992, then 2001 until now, a total of 25 years.

Why Macao? And why the Lilau area?
A.L.: Macao in 1983 for professional reasons. At that time, my husband was looking for bronze foundries in Asia . A French friend invited us to Macao, saying that Macao was a good place to start searching bronze foundry in the region. In fact, we did not find any foundry but fell in love with Macao! Climate, food, exotism. And in 1983, we set up an atelier to cast the sculptures of my husband. 

How do you relate your choice of living in Macao and in an historical area and today's Macao?
A.L.: We bought an apartment in 1990 Rua de Lilau ( at an affordable price, laughs). Then we bought a storage luckily at the ground floor in 2004 (still at an affordable price more laugs). So we stood in this area which is quiet!

Do you consider yourself as having an ironic personality?
A.L.: Yes, completely. But with respect always. More a sense of humour, in fact.  But also I have a great sense of self-derision. 

How did the series of "All in One", Manet, Rembrandt, Cézanne and the others appear? Why?
A.L.: Between my "Macau Illusions" series and my "all in One", I have worked on personalities portraits, That I called "dechronologies". For example, I took the portrait of  the king Louis XIV and with photoshop, I tried to know what he should have looked like today. Very funny.  I have made the portrait of about 50 personalities likes this.  
As I was looking for paintings to do these "dechronologies" I started to know a lot of masters and a lot of paintings. Naturally, I discovered the style of the masters and saw that great masters or not, sometimes their painting were "funny" and repetitive. The idea to  make "all in one" came from this discovery.
The Cathedral

The Great Wall

Breaking the Cage

I remember your first exhibition at the Macau Creative. By then you only had digital collages. What made you go into portraits? Does your entrance into the world of drawing represents an inner statement.
A.L.: After photoshopping so many artists, I found that it  was easy to criticize ironically. The last painter,"All in One" that I attempted to do was Picasso with Guernica. I never finished because I have been disgusted by this painting that I found ugly. At that time exactly, I decided to draw. To show that I was not only able to criticize. I draw portraits but also cats as I am a cat lover, and any subject that inspires me likes the broken trees after typhoon Hato, or recently Chinese food. I like to focus on details. 
I started to draw on 1st January 2016, 10-12 hours a day, at least . Every day, from sunrise to sunset. All the year, except when I am obliged to travel.


Mario

Tchune


Le Nantec


Why the irony about Picasso, Manet or even Rembrandt? What is behind it?
A.L.: Picasso: I have absolutely no emotion when I see Guernica and all of his works. 
Manet: ha ha ha. Why a nude lady between 2 dressed men having a lunch on the grass? It is an absolute ridiculous situation. 
Rembrandt: Here, no criticism. Just  I had the idea to put women, instead of men, around the dead body. Just  for fun. 
… But I have much more to show you.: Delacroix, Leonard de Vinci, Ingres,  Courbet, David, Bouguereau.

Do you take commissions?
A.L.: Yes. After drawing about 100 portraits for free and also for training,  I start to have commissions. I had 3 last month and I have 4 new commissions to do. And some more to come. It is when I draw portraits that I am the most serious! Because I really want people to be happy with their portraits.  I consider all my models as VIP, at any age. I enjoy to find the details that will reveal charm or beauty  in any person I draw.

How do you view the art scene in Macao?
A.L.: Ha ha ha ! I don't feel concerned at all. And I don't care at all. I am not at all politically correct in this matter so I prefer to shut up.
Of course, there are good artists in Macao. I recently discovered Filipe Dores who has a lot of talent.

I understand you are a rather reclusive person. Why is that?
A.L.: I have never been a social person. I have very few friends. They all know that I am a bit "wild". All of them have played an important role in my life, this is the condition to get my friendship forever.  Except these true friends, I don't feel the need of company, except the company of my cats. Yes I am reclusive and I like the music of silence, not the noise of music. I am happy in front of a computer or in front of a sheet of paper.

Why is this need for time? Do you want to leave a body of work behind?
A.L.: I started late to have a full time artistic activity for myself after having been an artist-wife for decades. Artist-wife is a full time job . My husband is a sculptor, and wow this is a very complicated art. I have worked hard with him. I know everything about sculpture from the clay to the bronze process. But, 2 years ago, for professional and personal reasons, I decided to have my own full time activity.  The problem is that I started late so I don't want to waste my time. I am in a permanent state of emergency to save my time. Perhaps my time has no value but time is precious to me now. 
No, I don't want specially to leave a body of work behind. I am very humble and don't have such pretention. 

Rembrandt

David

Rembrandt

Do you consider yourself an artist? Is it important? 
A.L.: Yes I consider myself as an artist. I have always been, indirectly. In my way of thinking,  or the way of sharing the art of my husband at a high level of collaboration.  If I don't draw or "create something", I become extremely nervous, be careful I can be dangerous (laughs)! Let me draw , it's my turn to think of me! 
No it is not important to be an artist, except if you are a real genius, and I am not.
Everybody is an artist, at different degrees. 

I have noticed that your sale prices are quite affordable. Why is that?
A.L.: Indeed, I want to stay affordable, as you say. Affordable to the people who have not the habit to buy art. When I draw a portrait, I have to show a result with 100% likeness to the model. it is the same work and price for my neighbor selling dim sum at the market  and for a very rich person. The simple people know better the value of the things than the rich people. I want to work for simple people. Those who dream to have their portrait and realize that with me it is possible. My target is the middle class. I have excellent relationship with  them. They know me, I speak to them in Cantonese (not fluently but enough). They like me and I like people who like me.  I want to draw for them in priority.  Of course one day, I will increase my prices but this is the only thing for which I am not in a hurry. I respect the value of the work and the work of an artist has not, for me, more value than any other "normal" work.  Hey, artists, calm down guys,  you are just artists !
Dali

Louis XIV

Mozart

quinta-feira, 27 de julho de 2017

ETHICS WISDOM AND DIGNITY



True knowledge is knowing the extent of our ignorance.
The superior man understands what is right. The inferior man understands only what is beneficial to him.
Confucius

Obedience is not, contrary to what many think, a mere Confucian virtue, since blind obedience implies the eradication of one's own thought or opinion (when it exists), transmuting from obedience to servitude.

The ideas contained in Li Ji or Lai Kei in Cantonese, being "Li" the Rite, in the broadest sense of the word, including the courtesy of human nature, ethics, and behavioral norms leading to a harmonious social order seem to have reached our days misunderstood or even ignored in its essence.

Confucius himself, when asking questions in a temple in his hometown of Qu Fu in Shandong, was challenged by another visitor: "Is this the wise Confucius who is asking questions in the temple?" To which the Master replied "to ask questions is also part of Li (ritual)."

However, it is interesting to note that in addition to Li Ji or Lai Kei, the Analects are a source of wisdom and common sense that should be known to all Chinese regardless of their place of origin because knowledge of culture and history are decisive in establishing identities.

The Analects or Lon Yu contain a group of key terms whose meaning seems to be as subtle as wise and complex, so it seems best to leave them untranslated, using only the phonetic transcription for them. Here are some examples:

Ren - a comprehensive ethical virtue: benevolence, humanity, kindness.

Junzi 君子 - Confucius defined this term with the concept of the Superior, ethical Man. It was from the concept of Junzi that later the term "noble" came to have another connotation, allowing everyone to access mandarinate through the study of the Classics. The ramp for meritocracy was thus thrown.

Li 禮 - term that covers the norms of discipline and personal conduct, the daily relations until the political protocol and the ceremonial ones.

Virtue (of ) - a very complex Chinese concept, which can be said to have developed into an ethical term denoting the inclination to moral action.

Culture (wen ) - denoting a relationship with civilization characteristics that are representative of Zhou's culture of which Confucius was derived.

Law / Justice (yi ) - often a complement to ren, denoting correct choices of action, or the moral vision that allows them to operate.

Loyalty (zhong ) - denotes not only loyalty to superiors or peers. At bottom an alignment of the individual with the interests of the social group as a whole, never for their own benefit.

Finally, Zūnyán (尊严) means dignity, the quality of one who is worthy, of who is honored, exemplary, who proceeds with decency, with honesty. A Superior Man is necessarily worthy.

In the West, the dignity of someone represents their "moral integrity."

The philosopher Emmanuel Kant defined dignity as the value of everything that is priceless, that is, that can not be replaced by an equivalent.

In this way, dignity is an inherent quality of human beings as moral and ethical entities.

Thus, in this visitation to the Chinese side of the transcultural values ​​in which we live here, it will be concluded that Zunji (君子) aspires to often value his moral integrity and respect for himself.

This is what happened in China's multi-millennial history, where ministers killed themselves in protest against the decay of some dynasties.

ÉTICA SABEDORIA E DIGNIDADE


O verdadeiro conhecimento é sabermos a extensão da nossa ignorâcia.
O homem superior compreende o que é correcto. O homem inferior compreende só o que lhe é benéfico.
Confúcio

Obediência não é, ao contrário do que muitos pensam, uma mera virtude Confucionista, porquanto a obediência cega representa a erradicação do próprio pensamento ou opinião (quando existente), deixando de ser obediência para se transformar em servidão.
As ideias contidas no Li Ji ou Lai Kei em Cantonense, sendo "Li" o Rito no sentido mais amplo da palavra, incluíndo a cortesia da natureza humana, da ética e das normas comportamentais conducentes a uma ordem social harmónica, parece terem chegado até aos nossos dias mal entendidas ou mesmo ignoradas na sua essência.
O próprio Confúcio, quando fazia perguntas num templo, na sua terra natal de Qu Fu, em Shandong, foi interpelado por outro visitante: "é este o sábio Confúcio que anda a fazer perguntas pelo templo?" ao que o Mestre retrucou " perguntar também é parte do Li (ritual)".
Contudo não deixa de ser interessante constatar que além do Li Ji ou Lai Kei, os Analectos constituem uma fonte de sabedoria e bom senso que deveriam ser do conhecimento de todos os chineses, independentemente do seu local de origem, porque o conhecimento da cultura e história pátria são determinantes no estabelecimento das identidades.
Os Analectos ou Lon Yu contêm um grupo de termos-chave cujo significado parece ser tão subtil quanto sábio e complexo, pelo que se afigura melhor deixá-los sem tradução, usando-se apenas a transcrição fonética para eles. Eis alguns exemplos:
Ren - uma virtude ética abrangente: benevolência, humanidade, bondade. 
Junzi 君子 - Confúcio definiu este termo com o conceito do Homem Superior, ético. Foi a partir do conceito de Junzi que, mais tarde, o termo equivalente "nobre" passou a ter outra conotação, permitindo que todos pudessem aceder ao mandarinato pelo estudo dos clássicos. Estava assim lançada a rampa para a meritocracia.
Li 禮 - termo que abrange as normas de disciplina e conduta pessoal,  às relações  diárias até ao protocolo político e aos cerimoniais. 
Virtude (de ) - conceito chinês muito complexo, que se pode dizer que se  desenvolveu para um termo ético que denota a inclinação para a acção moral.
Cultura (wen ) - denotando uma relação com características da civilização que são representativas da cultura de Zhou de que Confúcio era proveniente. 
Direito / Justiça (yi ) - muitas vezes um complemento para ren, denotando escolhas de acção correctas, ou a visão moral que permite que elas se operem.
Lealdade (zhong ) - denota não apenas lealdade para com os superiores ou pares. No fundo um alinhamento do indivíduo com os interesses do grupo social como um todo, jamais em proveito próprio.
Por fim, Zūnyán  (尊严) significa dignidade, a qualidade de quem é digno, de quem é honrado, exemplar, que procede com decência, com honestidade. Um Homem Superior é necessariamente digno.
No Ocidente a dignidade de alguém representa a sua “integridade moral”. 
Kant definiu a dignidade como o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente.
Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais e éticos.
Assim, nesta visitação ao lado Chinês dos valores interculturais em que por aqui vivemos, concluir-se-á que, ao que aspira a ser Zunji (君子), cumpre muitas vezes valorizar a sua integridade moral e o respeito por si mesmo.  
Assim aconteceu na multi-milenar história da China, onde ministros se mataram em protesto contra as decadências de algumas dinastias.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

A CONDIÇÃO DO MACAENSE


CELEBRANDO A DIFERENÇA

Enquanto macaense estou, desde sempre, resolvido em termos de identidade. Sou primeiramente português e depois, macaense. Português porque, geograficamente, serei uma das máximas extensões da portugalidade, coisa que poucos entendem. Macaense porque aqui nasci, daqui são aos meus pais e avós, num caminho que ascende a oito gerações. Daqui são os meus filhos e netos, o que os torna na nona e décima gerações. Por mim nunca falaria do macaense por necessidade, porque sendo-o, nada mais preciso de dizer. 
Porém a condição de macaense leva-me a solidarizar-me e, também, a buscar compreender os meus conterrâneos, agora na pessoa de Elisabela Larrea.
Sempre disse que ser-se macaense é pertencer a uma nação de indivíduos genéticamente falando. Nenhum de nós é igual ao outro. Cada indivíduo é uma história genética.
O que nos une e nos distingue, é não apenas o amor a Macau mas o modo como amamos Macau. Finalmente existe a contingência da geração, isto é, da Memória.
O que Elisabela nos diz é que gostaria de vivenciar mais o Passado, a memória dos dias vividos também com os avós, numa Macau irretornável. Eu transporto essa memória de acordo com os anos que tenho.
Reencontramo-nos quando ela se dedica ao Namyaam, esse som da China Meridional, o canto em cantonense. Recordo-me quer dos Thunders e dos Grey Coats, quer de Yam Kin Fai, Ng Kwan Lai, Fóng In Fan
Do berço, eu e ela, separados geracionalmente, falamos português, inglês e cantonense. Ela escreve chinês, eu não. Mas esta condição de conjugação de dois mundos potencia-nos para o universalismo, porque esta é a condição mais poderosa do macaense. Ser capaz não apenas de conjugar mundos, mas também de existir no mundo. 
Cabem nesta nossa condição o direito às diferenças, às opções culturais, ao modo como as manifestamos, pois é na diversidade que se manifesta a riqueza do ecletismo macaense. Ser-se mais português ou mais chinês é uma escolha ditada pelas circunstâncias, mas é na língua de que (Elisa)Bela se refere que reside o importante ancoradouro do macaense.
Sendo o Porto a minha segunda cidade, procurei estudar os Portuenses, gostar do seu sotaque, da cidade, da sua aprazibilidade que me recorda tempos idos de Macau. A minha primeira adolescência foi passada num colégio na linha do Estoril, assim como a juventude pós serviço militar. Amei Lisboa como amo o Porto e como amo a minha terra.
Creio que eu e a Bela, e todos os meus conterrâneos gostariamos que as outras comunidades se intercomunicassem, se não fechassem em si. 
Ser-se Macaense é também ser-se esse elemento conjugador entre comunidades que existem na terra que também é nossa. Porque na partilha é que está o enriquecimento das vivências de todos quantos aportaram a esta generosa terra.
Quando se existe aqui confinado apenas a uma comunidade,  existe-se numa perda dos dias por aqui vividos.