domingo, 29 de março de 2015
CONCRETIZAÇÕES
terça-feira, 24 de março de 2015
ÀS VEZES
terça-feira, 17 de março de 2015
A CARTILHA
terça-feira, 10 de março de 2015
DOIS ESCRITOS
terça-feira, 3 de março de 2015
OS MANDARINS
Foi Confúcio (551 - 479 AC), ainda na mesma dinastia, através da sua formulação do conceito de Homem Superior, o verdadeiro Homem Nobre, Jün Zi, 君子, em alternativa à mera nobreza de sangue, quem consolidou a fórmula dos exames imperiais para acesso à classe dos burocratas, futuramente designados por Mandarins. Poderiam vir de todos os cantos do império, mas teriam de saber de cor os Quatro Clássicos para se candidatarem à ambicionada carreira do Mandarinato, composta por aqueles que Confúcio definiu como Homens de Mérito.
Se o foram não se poderá afirmar nem confirmar, já que as autobiografias e outras grafias têm esse objectivo de adulterar verdades, mas desde pequeno que ouço a expressão chinesa "olhar a cadeira antes de tudo", que é como quem diz, "proteger o seu lugar".
Ora sucede que o conhecimento, mesmo que aprofundado, dos Clássicos, não outorgava aos mandarins conhecimentos mais do que generalistas.
Os mandarins de graus mais baixos eram os mais propensos, querendo ascender, a olhar pela sua "cadeirinha" de pequeno poder, generalistas que eram, incultos para lá dos Clássicos e da caligrafia, indiferentes ou ignaros do gosto pela astronomia que Qianlong alimentava. Muitos deles, pertencentes já aos graus que lhes permitiam frequentar a corte dos Ming, detestaram a presença de Matteo Ricci e, mais tarde, com os Qing, foi Castiglione o alvo, porque ambos eram diferentes, cultos e porque lhes podiam fazer sombra. Nada de novo sob o céu.
Curiosamente, Qianlong gostava de conversar e ouvir Matteo Ricci, o que era causa de considerável desconforto naquele grupo anquilosado, que tradicionalmente cultivava o servilismo, cumprindo farisaicamente os Ritos, além do cuidado com os seus guanxi.
Tais práticas, contrárias à definição confucionista de Homem Superior, iriam necessariamente conduzir ao desgoverno do Império do Meio, tal a confusão que reinou por debaixo do manto da Paz e Harmonia. O exército tornou-se obsoleto, e a própria Cixi, imperatriz Regente, usou caprichosamente o orçamento da marinha para construir o Yihe Yuan, o Palácio de Verão, com o seu famoso barco de mármore.
Tempos de decadência, esses, em que a Regente insistia em ignorar que o seu povo estava minado pelo estupefaciente vendido pelos bárbaros e que teve, como consequência, a cedência de território após duas humilhantes Guerras do Ópio.
As ideias republicanas do Ocidente, trazidas por Sun Yat Seng, agitaram as águas dos patriotas e propiciaram à inevitável queda dos Qing, para que uma outra estrutura se pudesse erguer e, dando lugar à longa marcha, finalmente, fazendo recuperar o orgulho, a riqueza e o prestígio da nação, hoje aberta como no tempo do Renascimento Tang (618 - 907), quando estudantes de Confúcio, oriundos da Coreia e do Japão puderam, eles também, ser funcionários em Chang An.
Sempre que vícios antigos, casados com a ignorância – esse não saber que não se sabe –ressurgem, a tentação dos que cuidam das suas cadeirinhas e dos seus pequeninos poderes, sem conhecimentos tanto dos velhos Clássicos como do pensamento contemporâneo, é a de vestirem os mantos da conveniência para ocultar insuficiências abundantes.
Hoje sabe-se quão anacrónico é o mandarinato e sua bafienta burocracia, aliada da velha máxima "se nada fizeres, nenhum mal te acontecerá", causadores do enfraquecimento do país.
E no entanto, ignorando-os, a terra gira, o mundo pula e avança, e tudo acontece sem que, no seu pequeno mundo, dêem sequer por isso.
Aprendida a lição do Passado, é imperativo que, sem guanxis, seja o mérito, a competência e a eficiência a presidirem ao Presente.
Estou certo que o virtuoso Zheng Guanying, Mandarim e autor de Shengshi Weiyan (Advertências em Tempos de Prosperidade), antigo dono da hoje chamada Casa do Mandarim, concordaria.