quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O BARRO E O SOPRO - ENTREVISTA A MARTA CRISTINA CARVALHO


Das artes do fogo, a cerâmica, o vidro, a joalharia,  e a cutelaria, a primeira transporta uma carga eivada a ocidente de uma ancestralidade que remonta ao Livro do Génesis e ao sopro divino.
Marta Cristina Carvalho nasceu em Coimbra, em 1964. Entre 1986 e 87 obtém um diploma de moldes para a indústria da cerâmica. No ano seguinte trabalhou na indústria cerâmica portuguesa. Entre 1988 e 1990 frequentou o curso de escultura da Escola Superior de Belas Artes do Porto.
Em 1990 lançou-se à aventura e veio para a Ásia por onde deambulou até poisar em Macau e aqui trabalhar com designer gráfica.
Em 1993 levanta âncora e viaja para o Japão onde trabalha com ceramistas nipónicos.
Em 1994-94 torna-se ceramista residente no Parque Cultural de Cerâmica de Shigaraki.
Em 1995-96, em part-time, torna-se professora convidada assistente do Departamento de Cerâmica da Universidade de Arte e Design de Kyoto.
Em 1996, apenas três anos depois de chegar a Kyoto, na região de Kansai, torna-se ceramista independente, viajando frequentemente para Macau para expôr e ensinar.

Marta, da leitura da sua resumida biografia e curriculum nota-se uma grande irrequietude até chegar ao Japão, onde já reside há 22 anos. O que é que a prendeu à prática da cerâmica no Japão?
A prática da cerâmica no Japão, para mim, quase foi como uma consequência natural de me encontrar na Ásia precisamente na altura em que, como artista, procurava o meu próprio caminho e expressão estética.
 A cerâmica sempre foi uma constante presença na minha vida, por ter nascido numa familia com ligações a essa indústria. O meu pai como geologo encontrou muitos dos existentes jazigos de matéria prima para a indústria ceramica portuguesa, e muitas vezes  me levava em trabalho de campo,onde sempre havia descobertas de muitos minerais, muitas vezes quartzos raros e outros de origem muito específica daquela zona atlântica. Desde adolescente passava os tempos livres trabalhando com esse lado da minha familia que possuia ateliers de ceramica artistica também. Quando abandonei um curso de geologia para escultura mas uma vez iniciei a cerâmica paralelamente com um curso técnico,  mas sem qualquer intenção profissional,  apenas  me era natural poder trabalhar em algum ramo da cerâmica para poder financiar por alguns anos a universidade onde estudava no Porto.
Acontece que, quando na Ásia, mais uma vez me tocou a curiosidade de conhecer novas técnicas , materiais e outras maneiras de ver a cerâmica me levou ao Japão pelo qual tinha um especial interesse.

Sendo portuguesa, e com curso de moldes de cerâmica, frequência em cerâmica industrial e curso de escultura na ESBAP, existe algum vestígio ocidental na cerâmica que faz desde que chegou ao Japão?
Começo por dizer que nunca acabei o curso da ESBAP, pois na altura algo do ambiente académico não me satisfez como artista, e senti naquela altura particular que tudo o que tinha para '' estudar'', ou procurar  como artista não precisava de ser numa coisa chamada escola.  Quanto a influências  culturais acho que é impossivel nos livrarmos da nossa cultura e das influências estéticas e emocionais do sitio que nos fez crescer.
 Como tal, e mesmo já vivendo no Japão quase há tantos anos como os que vivi em Portugal, em grande parte do meu trabalho, tenho que admitir que possuo uma visão bastante ocidental  apesar de tudo.  Quero dizer que,  mesmo nas minhas  peças de uso utilitário a componente artesanal e tecnologia de materiais, bem como a visão filosófica que os japoneses têm relativamente aos materiais usados na cerâmica, apesar de ser importante, não toma no meu caso um papel relevante ou fundamental.
De uma maneira simplista  diria que os japoneses vêem qualquer que sejam as arts and crafts no sentido: matéria-forma-estética, e o ocidente no sentido: estética-forma-matéria.
O shintoísmo religião primordial no Japão tem muito  a ver com este fenómeno em minha opinião, mas isso já é outra conversa.
Sendo a cerâmica tão vasta e complexa em termos de técnicas, materiais e possibilidades desses minerais serem transformados em algo pela mão do homem, artista ou artesão, acabei por perceber que não seria nunca um potter ou oleiro.  Isso no sentido em que a busca de técnicas para conseguir milhares de efeitos derivados de diferentes barros, cores ou certos resultados nas queimas consome por assim dizer toda a energia e tempo disponível na  vida inteira de um ceramista.  Aperfeiçoar técnicas exaustivamente a todos esses níveis, nunca foi  no meu trabalho o mais importante.
 Na realidade a busca na cerâmica para mim é mais centrada em encontrar uma verdade, uma expressão própria e inerente quase que universal em qualquer material, como também a madeira terá, outra o metal e por assim dizer todos os materiais. Então conseguir ultrapassar finalmente o factor ''os materiais''. Ou seja, o que acontece no meu trabalho muitas vezes até no mais ''utilitário'' é quase um paradoxo:  na realidade os materiais são tão essenciais quanto pouca relevância têm. Pode ser um qualquer, mesmo plástico, apenas emergem, este ou aquele, pela necessidade de encontar uma mais perfeita composição, cor, equilibrio ou expressão.

Sei que a cerâmica japonesa é altamente apreciada pelos japoneses, que por ser utilitária não deixa de ser menos artística. Esta atitude e visão contradiz de certo modo aquele (falso) paradigma ocidental que diz que a arte, para o ser, não pode ter uma utilidade. Quer comentar? 
Esta questão é complexa e só pode ser vista à luz dum conceito de beleza muito próprio e inato aos japoneses. Na realidade até na cerimónia do chá,  que é onde se atinge o auge deste conceito, como falo mais adiante, por estranho que pareça, ia buscar tijelas com várias outras funções e objectos que não eram feitos por japoneses. Muitas tijelas e escolas de chá usaram e apreciaram tijelas e utensílios até de diferentes eras  na história, encontrados na China e Coreia.
 Isto apenas  prova que não são as técnicas ou tradições de um artesanato japonês, e o seu aperfeiçoamento ate à exaustão que podem levar a que um objecto seja tido como de grande valor artistico para satisfazer o conceito de beleza nos Japoneses.
A existência do conceito wabi sabi, ou os três iis, imperfeito, impermanente, incompleto, derivado de ensinamentos budistas, e associado a outras influências shintoístas como a assimetria, simplicidade, austeridade, e sentido  de  economia de meios na concepção dos objectos e uso de imagem, criam uma sensação de intimidade profunda com a natureza.  E é assim que esses objectos, de uma ingenuidade íntegra, criam um muito  particular conceito de estética,  pelo que objectos de uso diário, podem também ser elevados por tal, ao mais alto sentido artístico.

Além do barro, que outros materiais utilizas para as tuas peças? Consideras-te pioneira na utilização dos diversos materiais e na sua combinação?
  Acho que já respondi um pouco a esta pergunta. Há muitos artistas que combinam materiais, mas sim cada um encontra o seu caminho e expressão e nesse sentido todo o artista é pioneiro em algo.    Uso muito o gesso, que é considerado um material menos nobre na cerâmica e escultura, pelas suas características de pouca durabilidade, mas que para mim é um material rico e infinito de possibilidades técnicas e expressivas. Também uso metal e madeira,  e vidro  fundido, não vidro soprado, esse só muito esporadicamente. Combino para além disso técnicas de gravura e serigrafia em todos esses materiais, sejam essas impressões feitas depois cozidas a alta temperatura ou não.

Como é a vida cultural no Japão e como se consegue expôr em galerias no Japão?
Acho como um pouco em todo lado, ou se entra num círculo de galerias comerciais, depois de se apresentar ou ser apresentado, que fazem contratos com os artistas e os representam, ou se apresenta o trabalho a galerias para exposições esporádicas e as que gostam convidam para expôr. No entanto no Japão há uma grande quantidade de galerias que são alugadas, e artistas que querem estar independentes de horários e restrições de vária índole por parte das galerias de convite, acabam por uma ou duas vezes por ano alugar e pagar as suas próprias galerias, no entanto todas as vendas são na mesma divididas pelo artista e galerista,  independentemente de serem ou não alugadas pelos artistas.
No caso de trabalho mais artesanal e funcional há uma grande variedade de lojas/galerias que vendem à  comissão fazendo exposição individual por uma semana ou duas e que depois têm sempre algum stock em exposição permanente na loja de trabalhos dos artistas que vão expondo ao longo do ano. Mas estas embora sejam em maior número são no fundo lojas mais dedicadas  a peças de artesanato e uso mais comum, pois faz parte da vida quotidiana dos japoneses usarem louça feita à mão, por razões de tradição, noção de conforto, noções de estética, etc .
 Há depois galerias , no mundo da cultura à volta da cerimónia do chá que é bastante estanque do resto das galerias de arte e mesmo artesanato. Todos os instrumentos usados na cerimónia do chá são tidos como peças fundamentais de todo um ritual e filosofia onde a tijela de chá, por exemplo, é mais um item, a par de chaleira em metal, colheres em bambu, instrumentos de queimar incenso ou preparar cinzas para ferver a água etc. etc. A tijela de chá em cerâmica na cerimónia do chá não é tida como artesanato,  terá de ser sem duvida um objecto de contemplação já elevado a um outro nível a que o artesanato por si só não satisfaz, mais perto de um objecto de arte, que tem tanto valor artístico por si só como a capacidade de criar um ambiente ou um espaço emocional, mais perto de um conceito existente na escultura e mesmo em muita da pintura.

Continua ligada a Macau. Porquê?
Em Macau continuam amigos queridos, e às vezes sinto que existe também um pouco de Portugal aqui à mão de semear.  Para além disso encontrei Macau numa fase importante de mudança da minha vida, e como tal voltar, ver as diferenças e, se puder, fazer  algo por Macau com alguma exposição ou algum workshop em que possa ajudar com novos conhecimentos e ideias estará sempre nos meus planos e será sempre um prazer.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

À CONVERSA COM PAULO BENTO



Jogou futebol desde os 8 até aos 35 anos em campeonatos nacionais. Depois seguiu a carreira de treinador. Treinou com Fernando Peres e Vitor Damas. Teve uma passagem de nove anos pelo Sporting Clube de Portugal e pelo futebol juvenil, onde colaborou directamente com Aurélio Pereira. Paulo Bento tem o curso de treinador de futebol com a Licença Profissional UEFA ADVANCED.
Treinou em Portugal muitos clubes dos mais variadíssimos campeonatos como treinador principal, e como treinador adjunto esteve na 1ª Liga, no Vitória de Setúbal e na 2ª Liga no Portimonense, onde recentemente trabalhou. Um dia aceitou o desafio do Monte Carlo e chegou a Macau, já lá vão alguns anos. Depois de duas épocas no Monte Carlo regressou a Portugal. Mais tarde, volta a cruzar-se com Macau e aceitou convite, desta feita do Benfica de Macau, mas saiu ainda antes do campeonato começar. Regressou a Portugal. Foi depois treinar para a China.  Xangai e o projecto de Luís Figo eram suficientemente credíveis para ele aceitar.
Por Macau mantém afectos, boas recordações e outras nem tanto, mas tem uma paixão muito grande por esta região e por poder contribuir para o desenvolvimento do futebol em Macau de uma forma geral, continuando aberto a propostas de projectos credíveis seja a nível de clubes ou das selecções.
Paulo Bento, como vê a situação actual do futebol em Macau em termos de organização, em termos de formação, em termos de infraestruturas físicas (estádios e campos de treino)?
PB: O desporto tem que ser visto como uma forma de organização social. Como tal existirá sempre aquele que visa o lucro e escolhe os melhores, os mais competentes, aqueles que melhor rendimento dão no momento para atingir determinados objectivos desportivos, tal como ser campeão de uma competição qualquer. Depois existe o desporto assente no lúdico, onde todos têm o seu espaço, onde praticam aquela modalidade de que mais gostam que lhes dá mais prazer, onde entendem ser melhores. 
Olhando para tudo aquilo que disse anteriormente e pela experiência que passei ao longo do tempo que permaneci em Macau em dois clubes da liga Elite, na minha opinião, Macau sofre deste mesmo problema ou seja; uma confusão de ideias quanto à sua organização, não sabe ainda dividir o "desporto para todos" do "desporto de alto rendimento". Vidé a organização do campeonato de futebol da Liga Elite onde podemos observar equipas de muito pouca qualidade, com atletas que interpretam o futebol não de uma maneira profissional mas assente em ideias do futebol amador, porque na realidade o futebol em Macau é ainda considerado como uma competição amadora, apesar de alguns clubes investirem em treinadores e atletas profissionais vindos de outros países. Considero que a organização dos campeonatos terá de ser bem pensada de forma a não acontecerem situações de falta de estratégia e de planificação. Na minha opinião, em Macau, a organização dos campeonatos terá de ser mais selectiva no que diz respeito à inscrição de equipas. As equipas que entrarem no campeonato da Liga Elite terão de cumprir determinados parâmetros que a identifiquem como uma verdadeira equipa de futebol de onze, onde os seus activos, por exemplo, são só jogadores de futebol de onze e não acumulem também espaço em equipas de futsal ou ainda na Bolinha. Na minha opinião terão que dividir essas competições, pois apesar de estarmos a falar de futebol, é muito diferente o futebol de onze do futsal e da Bolinha...existem muitos exemplos de excelentes jogadores de futsal que têm um nível médio/baixo como jogadores de futebol de onze, o mesmo se coloca ao inverso
Quanto aos equipamentos desportivos, tais como campos de futebol, estes terão de ser adequados à prática da modalidade. Em Macau, as equipas treinam em espaços que não são adequados para a prática da modalidade de futebol de onze, no que diz respeito ao espaço disponibilizado para desenvolver o seu trabalho (trabalha-se muito em meio campo e em campos de futebol de cinco e de sete) e ao piso, como por exemplo o Estádio de Hóquei em Campo, que tem (não sei como está actualmente) um piso muito antigo e extremamente duro que leva os atletas a sofrerem lesões graves ao nível das articulações e outras. Este equipamento desportivo deveria ser reformulado com colocação de novo piso e pensar na mudança do Hóquei em campo para um outro espaço unicamente destinado á modalidade. A mudança constante de piso é também prejudicial para o atleta levando-o por vezes a criar lesões. Nos atletas profissionais além destes serem os principais lesados, também a sua entidade patronal, ou seja os clubes, sofrem com a situação, pois ficam impedidos de os seus jogadores poderem rentabilizar o investimento feito neles e desta forma inviabilizar os objectivos preconizados em determinado momento, quando pensaram em investir em atletas profissionais, perde também o futebol e o campeonato. O mesmo se passa em terrenos relvados que não estão devidamente tratados para a prática do futebol de onze, neste caso tomo como exemplo o estádio da Universidade que no meu tempo na maioria das vezes não estava devidamente tratado e com alguma perigosidade para os atletas contraírem lesões. Desta forma, talvez este Estádio pudesse ser transformado num excelente campo sintético de última geração, proporcionando assim muitas horas de utilização. Na minha opinião, pode-se rentabilizar alguns espaços que poderão trazer mais disponibilidade para os clubes treinarem como por exemplo o espaço relvado por detrás do Hóquei em Campo, este, caso não haja inconveniente, poderá ser um bom espaço para um campo sintético de última geração, já que é utilizado por equipas para desenvolverem o seu trabalho. 

O futebol em Macau tem uma história que se pode localizar nos anos 1920, com picos nas décadas seguintes, nomeadamente nos interports com Hong Kong nas décadas de 1930, 1940 e 1950, em que as selecções locais ganhavam a Hong Kong. Nessa altura havia uma divisão de futebol de onze, enquanto vamos encontrar agora 3 divisões a ocupar todos os campos disponíveis, enquanto que, simultaneamente a mesma Associação de Futebol de Macau acumula a organização do futebol de onze com o futebol de sete. Que lhe parece isto tudo?
PB: Em minha opinião, num futuro próximo, deverá diminuir-se o número de divisões para duas e fazer uma Liga Elite mais forte. No entanto terá que se trabalhar no sentido de cada vez mais atrair praticantes de qualidade para a modalidade e mais tarde, quando houver uma maior competitividade, poderá voltar-se a mais uma divisão. Com mais equipas na Liga Elite poderá igualmente trazer maior competitividade, jogadores e treinadores de valia a este campeonato, até porque se poderá prolongar por mais tempo, oferecendo assim a possibilidade da população poder ter mais tempo o futebol de onze bem presente. A segunda divisão irá com certeza ficar também mais forte. De igual modo, poderá também pensar-se num campeonato amador, onde com certeza estará mais adequado à maioria dos atletas que jogam pelo gosto do futebol, mas que não estão disponíveis ou não querem estar disponíveis para abraçar um projecto profissional ou mesmo semi-profissional, já que possivelmente desenvolvem outras actividades profissionais e assim querem continuar. Também o futebol de sete aqui poderá ter a sua importância, já que com diminuição para duas divisões poderá abrir-se a possibilidade de um campeonato de futebol de sete mais longo e competitivo. Quem está por dentro do futebol juvenil sabe da importância de uma boa transição do futebol juvenil para o futebol sénior, daí que não será despropositado pensar em campeonato intermédio (Campeonato de esperanças) para uma boa integração dos jovens jogadores em campeonatos mais exigentes. Decididamente, o futebol de onze terá de estar num plano completamente diferente para melhor até porque na realidade é a modalidade com maior visibilidade mundial. A indústria do futebol de onze é muito forte e como tal poderá também alavancar algumas actividades que podem tirar dividendos com uma Liga forte e organizada de forma profissional. Tudo depende da vontade dos órgãos competentes analisarem a situação do futebol em Macau e terem ou não vontade de mudar para outra direcção. 

Considerando que há uma limitação de terrenos, e por consequência de campos, como é que - em sua opinião - se podem gerir os espaços para treinos? Algumas coisas deveriam ser alteradas. Quais? 
PB: Como referi na resposta à primeira pergunta, é urgente que se possa definir que as equipas que jogam na Liga Elite devem ter maior número de vezes os campos disponíveis para treinar em espaços de acordo com a modalidade que praticam. Impõe-se ultrapassar a ideia de que um grupo de amigos pode ter o campo alugado por vezes com poucos jogadores para fazerem uma brincadeira e uma equipa que está em competição oficial vê-se privada de treinar por falta de campo. Pensar também na construção de campos sintéticos de última geração pois conseguem aguentar maior número de horas de utilização e transformar alguns espaços até agora utilizados de forma deficiente em campos com qualidade para a prática do futebol. Enquanto não existirem campos suficientes para o futebol de onze, poderá tentar-se chegar a acordo com alguns colégios e escolas que disponham de espaços, para o futebol de 5 e de 7 para assim poderem dispor de mais opções e continuar a dar a possibilidade a quem pratica o futebol apenas por lazer continuar a ter a possibilidade de jogar com amigos sempre que quiser, fomentando assim o desporto lúdico. Desta forma, poder-se-á arranjar maior disponibilidade de campos de futebol de onze.

Nisto tudo há dois vectores que sofrem; a organização do futebol e os campeonatos e, por outro lado, a formação. Que é que lhe sugerem estes dois temas?
PB:Macau ainda vê o futebol de uma forma lúdica, onde todos pensam que podem jogar ao mais alto nível. Há que distinguir uma actividade lúdica como os jogos entre amigos e uma prova profissional ou mesmo semi-profissional. Os factores que influenciam o rendimento desportivo, técnico-táctico, físico e psicológico, bem como outros que fogem aos treinadores e suas organizações apresentam diferenças muito grandes entre competições profissionais e amadoras. Deste modo, entendo que falar de Macau e do seu futebol será uma longa discussão. A organização de uma Liga Profissional terá que ser levada em linha de conta pela AFM, mas também terão de se efectuar muitas alterações na sua organização, não só de logística, mas também fundamentalmente dos seus colaboradores, principalmente mudança de mentalidade e não ter receio de trazer para dentro de sua casa, técnicos, dirigentes e colaboradores com maior qualificação no sentido de poderem acrescentar algo. Os árbitros terão também de demonstrar mais competência, mas em minha opinião autónomos da AFM. Para que isto seja realidade, a AFM tem que apostar num plano estratégico de formação de todos os seus colaboradores, não deve continuar a permitir que treinadores estejam a treinar sem a devida licença profissional de treinador passada por organização mundial como a UEFA ou outra certificada e que ateste a validade da Licença Profissional do treinador. Deverá ter a certeza de que o Clube cumprirá na íntegra com todas as suas responsabilidade que tem para com os seus funcionários, para assim poder inscrever-se numa prova oficial. 
Esta é apenas opinião minha para poder contribuir para um desenvolvimento sadio e com qualidade. Gostava de ver um diálogo claro e objectivo sobre esta temática por parte de outras pessoas, principalmente daquelas que estão envolvidas neste fenómeno desportivo em Macau e que são influentes nas decisões a tomar no futuro para que o futebol em Macau possa desenvolver-se cada vez mais. Tenho paixão por Macau, estou e estarei sempre disponível dentro das minhas competências para colaborar e contribuir na melhoria do futebol da RAEM.
E muito mais haveria para dizer deste prelúdio para uma conversa.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O AZUL, O SABER E O BRIO


A ignorância não é um argumento.

Nem todos os textos nascem para a literatura, porque esse não é nem o seu objectivo nem a sua natureza. São textos operários, de obra. Servem sobretudo para revelar as insuficiências urbanas, oferecendo soluções e, assim, almejar para que a cidade melhor se qualifique.
Em Cidadania o geral importa tanto quanto o detalhe, porque também aí habita a qualidade. Quase sempre a qualidade casa-se com a auto-exigência do mais ínfimo pormenor.
É assim que o saber de cada métier é, como em tudo na vida, fundamental. Mesmo que alguns achem que são minudências.
Vem isto a propósito de, um dia destes, no piso de um edifício novo, onde nasce um saguão, por queixa do vizinho do andar de baixo onde pingava água - mas que bem construídas são certas casas novas de Macau - entrarem pela porta dentro alguns operários para resolverem a situação. Nada mais simples. Desataram a escavacar todo o piso e, de permeio, rebentaram a canalização e  um cabo de electricidade. Assim, à bruta, tudo a eito!
Num outro local,  em obras de reparação, com pó por todo o lado, chega a brigada da pintura. Sem limpeza prévia do espaço, foi tudo à frente, desatando a pintar por cima de toda a sujidade. Chamado o encarregado, diz que não é com ele. É assim! Uns pintam, outros lavam as mãos.
Perante estes casos demonstrativos de que, há muito, a mão de obra de qualidade, daquela que sabia fazer toda a espécie de trabalhos de construção, foi substituída por gente que não sabe ou não quer saber e parece nunca ter ouvido falar de brio profissional.
Há duas formas de ganhar a malga de arroz: com desinteresse e desconhecimento ou com saber.
Os chamados operários não têm qualquer formação específica, sendo a maioria proveniente do outro lado da fronteira. Os disponíveis ao cidadão comum são maioritariamente os que não conseguiram trabalho no Cotai.
Seria de enorme mais valia que se criasse uma Escola Técnica e se abrissem cursos de formação profissional de electricistas, torneiros, carpinteiros, marceneiros, pintores, estucadores, e se certificassem aqueles que os concluíssem. Macau precisa deste tipo de mão-de-obra especializada, e de fiscais devidamente formados. Posso imaginar que as associações dos patos bravos possam  ser contra.
Mas, como dizia António Aleixo: "a razão, mesmo vencida, não deixa de ser razão".
Por isso esta fotografia me inspira como cidadão. Nela constato uma enorme qualidade de acabamentos, um lacado azul matte, uma cantaria bujardada de forma perfeita, azulejos que se organizam em esquadria perfeita. Em tudo a limpeza, a ordem e o bom gosto.

sábado, 17 de outubro de 2015

A CULTURA, A CRIATIVIDADE E A ECONOMIA


Em boa hora vem o Professor Augusto Mateus a Macau, a convite do Albergue SCM, para um Seminário sobre as Indústrias Criativas, no quadro de uma plataforma estratégica nas relações económicas entre a China, a União Europeia e os Países de Língua Portuguesa.
Seria bom que o Seminário fosse integralmente traduzido para o chinês, e que exista suficiente público com maturidade para ouvir, fruir e reflectir.
As Indústrias Criativas são, por natureza e definição, actividades de natureza eminentemente Económica!
O facto de se poderem intersectar com actividades de cariz criativo não faz delas, apenas, indústrias para “recuerdos” e o mais que por aí anda.
Quando me falam de indústrias criativas, as minhas referências vão para grandes conglomerados como a Zara e a Zara Casa ou a Giorgio Armani, Emporio Armani, AX e Armani Casa, ou para as indústrias da inovação como a Samsung, a Apple, a Sony e tantas outras.
Numa recente leitura de um artigo, que noticiava o novo carro eléctrico da Tesla (sem dúvida assim nomeada em homenagem a Nikola Tesla), tomei conhecimento do quanto a Apple está interessada no veículo, a ponto de oferecer aumentos de 60% para cativar engenheiros da Tesla a transferirem-se para a base da Apple em Cupertino, na Califórnia.


O TESLA S

A Apple não precisa de apresentação, apenas relembro que depois de ter criado o Macintosh, o iMac, o iPhone, o iPad, o Apple Watch, o potencial iCycle, o passo seguinte será um carro eléctrico, amigo do ambiente, a próxima cereja no topo do bolo Apple.
Noutros firmamentos, as consolas de jogos, como a PS4 ou a XBOXONE, disputam mercados, enquanto, anualmente, a engenharia electrónica dos telemóveis, câmaras digitais e um sem número de gadgets e apps invadem o mercado, após sujeitas ao necessário design, este apenas parte do todo.
A grande questão em Macau é que o meio criativo, além de ser pequeno, parece desconhecer a articulação da criatividade com outras especialidades e dos reais objectivos e escalas das Indústrias Criativas.
A escassas 40 milhas, Hong Kong é um dos grandes produtores mundiais de filmes. Articula as suas produções com Hollywood. A vizinha Região Administrativa Especial tem marcas, como a Shanghai Tang, Baleno, Bossini, Giordano, Crocodile Garments, G2000, Esprit, Joyce Boutique, entre outras . E nós?
Nós vivemos no planeta do wishful thinking, do pequeno projecto de cada um, sonhando legitimamente com a lua e o universo. Há em Macau um hábito muito antigo: o desaproveitamento de talentos, por não se saber dirigir, gerir, potenciar.
Macau não tem disseminado uma elite pensante em várias línguas. Macau debate-se com falta de “talentos”, que nunca existirão enquanto se mantiver a postura de dificultar a entrada de mais valias. Sem quadros capazes, não há boas intenções que valham.
Perdoe-se-me a nota pessoal, mas em 1995 propus, ao Governo de então, que fosse lançada uma estrutura, a que chamei de Centro de Criatividade, onde pudessem convergir, vindos de todo o lado, cérebros que construíssem um centro de inteligência que pudesse pensar sobre estes assuntos, num momento que as indústrias criativas não eram ainda assim chamadas. As malhas de então fizeram o assunto cair no olvido.
Poder-se-á argumentar que Macau tem uma identidade muito própria e que, por tal, haveria que utilizar essa marca nos produtos aqui gerados. Não vou discutir esta premissa, apenas dizer que há uns anos a Universidade de São José estava a trabalhar com a China em veículos eléctricos.  Desconheço o actual estado deste projecto. A pergunta é: em que é que isso e outras coisas têm a ver com hibridez cultural?
Tomando o Reino Unido como referência, e as exportações como objectivo, as Indústrias Criativas geram anualmente naquele país 76.9 mil milhões de libras, qualquer coisa como MOP1,194,180,000,000!!! Não admira, pois, que a R.P. da China fale de diversificação económica para Macau. Não está a falar em objectos “Love Macau” , está a falar em economia criativa. O Centro de Referência de tecnologia da UM e o de Medicina Chinesa em Henqin poderão vir a constituir caminhos.
Pode parecer que estou a ser crítico em demasia. Darei a mão à palmatória quando vir Indústrias Criativas em Macau a constituírem uma alternativa económica à indústria do jogo que, em 2014, caiu para 44.1 mil milhões de patacas.
Os assuntos respeitantes à cidade, no seu conjunto, são interactivos, fazem parte de um todo. Falo a um plano ético e moral. Aí, a cidade constituir-se-ia num aglomerado funcional e verdadeiramente cosmopolita, despojada de pensamentos xenófobos que liquidam, à nascença, qualquer possibilidade séria de desenvolvimento.
Não é, assim, despiciendo lembrar que os Estados Unidos se fizeram com imigrantes, e que as grandes cabeças que lá vivem foram atraídas pelos grandes conglomerados, pelas grandes universidades.
Steve Jobs era descendente de sírios e alemães. O Nobel da Química de 2015, Aziz Sancar, nasceu na Turquia. O Nobel da Medicina 2015, William C. Campbell, nasceu na Irlanda. O Nobel da Física 2014, Shuji Nakamura, nasceu no Japão, e os exemplos e listas continuam, intermináveis.
Assim, enquanto houver quem aposte na discriminação, enquanto não houver grandeza de espírito para abertura ao mundo, a cidade está condenada a ser aquilo a que os chineses chamam, muito justamente, de "sapo no fundo do poço, olha o redondo do céu e pensa que é o universo". Não me parece que seja nada disto que a poder central da China deseja quando lança a orientação da diversificação da economia.
No que respeita à arquitectura, numa cidade onde uma das principais actividades é o imobiliário, o que se assiste, em muitos casos, é à construção baratinha, com pastilha na parede. Uma cidade não pode viver da especulação.
Estas são preocupações de cidadão, iguais às de muitos outros.
É o desenvolvimento do colectivo, da qualificação da cidade enquanto um todo habitado e habitável, que me impele à defesa da cidadania plena, da qualidade e critérios, que só podem existir quando se compreender, por via da cultura, que a economia tem de ser encarada como força criativa e não especulativa.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

AS NOZES E AS VOZES


No período pós-eleitoral, Portugal debate-se com a questão da indigitação de Cavaco, buscando delimitar alternativas com base nas questões estruturantes do País.
Assiste-se nos media a debates sobre questões estruturais e estruturantes, envolvendo partidos que discutem situações com sustentabilidade ou não.
Formam-se facções, fortalecem-se opiniões, e comentadores prós ou contra a esquerda ou a direita manifestam-se abundantemente.
O que porém ressalta como imediata conclusão é que existe um grau de inteligência em todos os quadrantes políticos e as tomadas de posição exprimem posições mais claras enquanto outras se mantêm reservadas, aguardando ocasião mais propícia.
Assim é a característica do exercício político. Ainda assim existem um palco, uma audiência e uma consciência ao nível dos protagonistas.
Sucede que por cá o protagonismo desenrola-se de maneiras peculiares.
O calculismo, em Macau, não é uma questão renal. O calculismo é, em Macau, um gato escondido com o rabo de fora. Mas também de ambições pessoais. E também do exercício do nonsense! Veja-se o que se propõe a debate na primeira sessão de trabalhos da Assembleia Legislativa da RAEM, a arrancar na próxima sexta-feira.
A questão primeira e suprema vai ser colocada através de uma pergunta: "Por forma a aumentar a rotatividade nos parques de estacionamento públicos, o Governo deve ou não cancelar os respectivos passes mensais, permitindo que o público utilize os lugares de estacionamento em causa?".
Debrucemo-nos sobre este debate que, para o ser, não se deveria iniciar com uma pergunta de resposta sim ou não, por muito que o Cantonense use a afirmativa e a negativa. Uma posição começa com um ideário consistente, que se firma numa ideia coerente, organizada, o que parece não ser o caso.
Pede-se que as medidas (leia-se cancelamento de passes mensais) a tomar para os parques, que são públicos, permitam " que o público utilize os lugares de estacionamento em causa". A questão é redundante, mas, assim posta, faz pensar se porventura os passes mensais são detidos por abusadores TNRs, turistas do Continente em trânsito, ou jogadores temporários de salas VIP.
Alguns senhores do hemiciclo estão sinceramente preocupados com o estacionamento, mas não gostam daquela parte do público que possui legalmente passes, que tem direitos adquiridos. Pensam que os carros tranquilamente estacionados deveriam formar uma espécie de carrossel, em permanente movimento, talvez para reforço da ideia de cidade de entretenimento e lazer!
Contudo, não se conhece uma proposta fundamentada de circulação periférica, de controlo de viaturas em circulação, de limitação da entrada de novas viaturas neste “carrossel” ou “poço do inferno”. Também nada se ouve sobre a eventual obrigatoriedade de todos os prédios em construção terem parques para todos os condóminos.
Esses senhores deputados estão interrogativamente preocupados com os passes, não com os seus portadores, não com a poluição dos veículos, não com a enxurrada de carros que ao longo dos últimos anos verteu sobre Macau.
Seria de esperar um pouco mais. Seria de esperar que para o debate inicial da legislatura fossem apresentadas ideias e propostas de defesa do interesse público, a começar por políticas ambientais, problema premente aqui e na arena internacional. Seria de esperar que fossem apresentadas medidas e soluções para o trânsito caótico e consequente falta de qualidade de vida. Mas não, estão preocupados com os passes dos parques públicos. Tout court.



Aplaudo entusiasticamente a ideia do senhor deputado Chan Meng Kam em se construírem parques inteligentes como existem noutras paragens. É, indubitavelmente, um contributo para a solução do problema, ao contrário da proposta do carrossel apresentada pelos seus colegas.
A este propósito, indago-me se seria oportuno perguntar se também alguns dos senhores deputados não deveriam dar lugar a outros, seguindo o sistema de rotatividade. Perdoe-se-me a pergunta, mas é tão legítima como a outra.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

A ÁRVORE


Uma folha quando cai do ramo
retorna às raízes.
Provérbio chinês

Desde a Edénica macieira, antiga, enorme e frondosa, à Sephirot, a árvore da vida do judaísmo esotérico que, organizada em três colunas, representa as divinas emanações da criação de deus (ex nihilo), cuja natureza transcende a da macieira no que tem de construção simbólica: a natureza da divindade revelada, a alma humana e o caminho espiritual para a ascensão do homem.
Terão sido os chineses a criar, há quinze séculos, aquilo que chamamos de árvore genealógica. Deixavam escrito no mesmo caderno de família, guardado no templo da aldeia natal, o registo de todos os nascimentos através dos séculos, indicando os parentescos em que são tão confucianamente precisos, e a mobilidade ancestral.
Abrem-se milenares árvores, numa abundância de ramos, nascidos de poderosos troncos, prenhes de seiva percorrendo o frondoso emaranhado nascido do tempo. Em cada árvore se manifesta o ciclo da vida. Na sua imobilidade e enorme vitalidade, que nos transporta para a metáfora da existência e nos remete para a reflexão da razão, a árvore incorporou a presença da divindade.
E como diz o provérbio chinês, quando da copa da frondosa árvore da vida se destaca um folha, ela retorna às suas raízes, essa outra copa submersa que, sustentando a visível, existe e sem a qual tudo feneceria.
Neste ciclo, ocorre-me a árvore criada pelo imaginário de James Cameron no filme "Avatar", uma obra que segue de perto a pista deixada por "Matrix" de Lana e Lawrence Wachowski, onde a mente protagoniza no imenso império da ilusão.
Nessa imensa árvore, réplica da macieira e, porque não, da Sephirot, estabelece-se uma outra premissa, o Tempo, a adicionar às três dimensões com que habitualmente lidamos.
Será a incomensurabilidade deste Tempo ("deve ser o antepassado dos deuses") o invisível e inominável nome de deus? Sendo inominável, apenas nos resta o acto de intuir, de compreender que a essência não reside na ilusória realidade do mundo que conhecemos, mas, antes, na indizível linguagem que se não pronuncia?
Assim, a árvore significa a intrincada dimensão da divindade, da ancestralidade, do amplexo enorme, frondoso.
Não deixa de ser curioso como as lendas das manifestações divinas se associam a árvores, arbustos em chamas, ou como em Fátima é a azinheira o púlpito da aparição, ainda Matrix ou Avatar não tinham sido pensados.
E nesta mobilidade enclausurada pela obscuridade a que a humanidade está votada, é imperioso proteger a árvore, mesmo que a ignorância já impere, atolada nos meandros de si mesma, embrenhando-se cada vez mais na esterilidade do breu, malefício do mal, prado onde os ignaros se agigantam com pernas de girafa, pastando ousadias.
E, assim, o mal subsiste pela ignorância. E o bem, maniqueisticamente falando, busca ansiosamente a aspiração de uma essência (quase) inatingível, face aos malefícios da ilusão, que provocam nos sentidos dos que prosseguem o difícil trilho do conhecimento.
E enquanto as sombras pairam, o verdadeiro retorno à raíz apenas sucede às folhas que tenham aspirado tal aroma. O resto é apenas gravidade.