sábado, 17 de setembro de 2022

UMA LOJA "PORTO COM TRADIÇÃO"

 BENEDITO BARROS, LDA.



A cidade do Porto é fértil em história e em pessoas. Mas existe muito mais, existem, por exemplo, lojas com história que passam de geração em geração. No Porto não se gosta de destruir, há uma consciência que faz parte da identidade nacional e da cidade, que leva à preservação.

Há bem poucos dias o centenário Mercado do Bolhão ganhou nova vida, inteiramente renovado, como que a atestar a longevidade das casas no Porto.

Pela minha parte há muitas coisas que me interessam, desde lojas de antiguidades, mobiliário, calçado, até aos tecidos que desde meados dos anos 1980 me andam nas veias.
Sempre parti de um princípio, nem sempre fácil: se os outros podem fazer, eu também posso. E foi assim que desmanchei casacos para ver com eram construídos e nasceu, em 1985 a alfaiataria “Classic Harmony” que abri com dois sócios e amigos. A aventura não durou infelizmente muito, mas a aprendizagem, essa valeu-me de muito.

Já vivendo no Porto, e passeando pela baixa da cidade, descobri no Nº39 da Rua de Passos Manuel, num primeiro andar, uma loja, ou armazém de tecidos que vende a retalho, chamado Benedito Barros, Lda. como se pode ver no início deste texto, do passeio oposto da Rua Passos Manuel.

Foi assim que, há poucos anos, conheci o senhor Raul Martins e sua Mulher D. Fátima. Sem cair em bairrismos, no Porto somos sempre bem acolhidos, com simpatia, e foi o que aconteceu. 

Embora não tenha nada contra o pronto a vestir, os meus hábitos de vestir por medida vêm de Macau, luxo possível, sobretudo quando se conhecem os meandros. 



O senhor Raul Martins ao balcão da Benedido Barros, Lda, 
apoiado em preciosos tecidos

Aqui no Porto, embora esteja bem suprido, há sempre a tentação do designer que vive dentro de mim. E foi assim que, além do tecido, mais barato em armazém do que em loja com montra para a rua, o senhor Martins me indicou alguns nomes de alfaiates, enquanto conversávamos, cada vez mais longamente, sempre que visitava a baixa.

Já não é a primeira vez que divulgo lugares que valem a pena. Muitas entrevistas estão neste blog, a artistas, escritores, pessoas interessantes. E a conversa começou:

 

Quando foi criada A BENEDITO BARROS, LDA.?

A firma Benedito Barros,Lda, foi criada em março de 1926. Meu Pai comprou o negócio a um senhor chamado precisamente Benedito Barros, quando regressou do Brasil, isso apesar de o meu avô já ter trabalho na firma. Mantivemos o nome. 

 

Está quase a fazer um século. Quantas gerações estiveram à frente da loja?

Da minha familia estiveram 3 gerações,o meu Avô, o meu Pai e actualmente sou eu.

 

Onde se situou a primeira loja? Quer-me contar a história das localizações da Benedito Barros Lda.?

A primeira loja foi na Rua do Almada do outro lado dos Aliados. Depois passou para a Avenida dos Aliados e, em 1958, para as actuais instalações. 

 

A Benedito Barros Lda. está agora situada num primeiro andar da Rua Passos Manuel. Qual a grande diferença entre um Armazém de tecidos e uma Loja de tecidos?

A diferença  que pretendo com a designação loja de tecidos é atingir mais público do retalho.

 

Onde se abastece normalmente, em Portugal? 

Normalmente as nossas compras são feitas na zona da Covilhã. Compro artigos 100% pura lã  e algumas misturas ricas em lã. Também temos tecidos das melhores marcas estrangeiras, inglesas, francesas e italianas que o cliente pode encomendar expressamente.

 

Quando é que a Benedito Barros, Lda. se tornou num "Comércio com História?”  

O que foi este estabelecimento, antes?

Somos “Porto de Tradição” desde Setembro 2018, tendo sido honrados pela Câmara Municipal do Porto com esta designação. Estas eram as antigas instalações do consulado do Brasil.


Sr. Raul Martins com o autarca Rui Moreira, na assinatura do acordo
"Comércio com História"


Sei que aqui se vêm abastecer muitos alfaiates. Desde sempre? Como vê nos dias de hoje o futuro da profissão de alfaiate?

Sim, sempre fomos procurados pelos alfaiates. A falta que sinto é de sangue novo para esta profissão...

 

Finalmente, que perspectivas tem para a sua Benedito Barros Lda.? 

A  nossa  perspectiva  para o futuro é a aquisição de uma loja no rés do chão e dedicar-nos exclusivamente á venda de tecidos ao público.


E assim fica o registo da conversa havida nesta "Loja com História" onde o senhor Martins se move familiarizadamente entre tecidos nacionais e estrangeiros que ocupam todas as prateleiras.

 

 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

TODO O FILHO É PAI DA MORTE DE SEU PAI

 

De Frases Budistas & afins...


Não pude deixar de compartilhar... Me emocionei pela verdade no texto, não deixem de ler!

" Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a tropeçar como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

É quando aquele pai que segurava com força a nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela — tudo é corredor, tudo é longe.

É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não se lembrará de seus remédios.

E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

Todo filho é pai da morte de seu pai.

Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali. "

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

ANTÓNIO ARESTA

Os saberes da actualidade conduzem-nos a uma reflexão sobre a nossa interioridade, isto é, a interioridade de cada um.

E é confortado que constato que os saberes de António Damásio e Robert Lanza convergem em muitos pontos. Sob as suas batutas direi que a intangibilidade da Memória confere-nos a imaterialidade que se associa directamente à Consciência, essa condição que nos define na relação com o mundo dito material.

É assim que cada fotografia de décadas, que retrata um tempo irretornável, convoca a imemorialidade de cada um – nome que dou ao tempo que precede a existência da nossa própria consciência – por via do legado de memórias indirectamente vividas.

Entramos assim, pela chave da consciência ou do seu legado, no campo da autenticidade. A autenticidade de Macau dos princípios do século XX, ou do século XIX. Uma urbe, herdeira de séculos precedentes, uma matriz urbana e arquitectónica mista, e uma convivialidade entre Macaenses, Chineses e Portugueses os últimos dos quais, por serem poucos e virem de longe, aqui se inseriam, tornando-se, eles também, pela via do afecto à terra, em Macaenses. Desses há a destacar nomes como Camilo Pessanha, Manuel da Silva Mendes e, num tempo subsequente, Hermman Machado Monteiro, Joaquim Morais Alves, José Silveira Machado ou J. J. Monteiro entre tantos outros. Esse processo de enraizamento era único e singular, assente numa  sedimentação iniciada no século XVI, originadora e legitimadora da genuinidade da cidade.

Se é obsoleto o desejo de retornar a outro tempo, essa apiração preenche-nos a Memória, como a desejar que o mesmo ficasse congelado, contrariando o seu fluir e, com ele, as mutações, mais ou menos radicais, que foram acontecendo para além da vontade de alguns. É no capítulo da alteração do espaço envolvente, que fisicamente nos confina, que se encontra a chave da transfiguração que, quer se queira quer não, nos afecta.

Porém a mais importante dos ingredientes é, infelizmente, a incompreensão ou ignorância radical da Multiculturalidade que desde há muito existe em Macau.

Aprofundemos a questão da Consciência, aquele cérebro em forma de panejamento, pintado por Miguel Ângelo na Capela Sistina. Miguel Ângelo Buonarroti sinaliza definitivamente o cérebro como sede da Consciência, isto é, da divindade.

Com Copérnico e depois Galileu, a humanidade deu lentos passos que, para o século XVI, eram heresias proclamar que estava “teologicamente errada” a teoria de que a terra se move. Esse peso da ignorância foi conquistado, mas o peso permanece noutros planos de rotunda ignorância a que já aludi.

Ter consciência da Etnicidade Macaense e da história múltipla de Macau, talvez possa ser só percepcionada , vista de fora, como algo que desperta, geralmente, estranheza, na medida em que conflituará com a percepção que cada um tem de si e da sua circunstância, que é tudo o que define o horizonte do próprio Inconsciente de cada um, remetendo-se tudo o resto para o plano dos clichés ou mitos urbanos que há muito se foram construíndo e consolidando.

Talvez tenhamos esquecido alguns pressupostos, entre os quais o da condenação de estarmos solitariamente enclausurados num corpo material dedicado à nossa percepção das coisas do mundo. Na interpretação do Universo, um elemento essencial já anteriormente referido como Consciência, é peça de um puzzle que o paradigma predominante tem tentado contornar porque não se encaixa num mundo objectivo e materialista, independente e alheio a qualquer percepção da noção disso, anuncia precisamente a pedra angular dos princípios que compõem essa nova teoria que nos revela os aludidos planos do Ciente. Com efeito, e citando o biólogo Robert Lanza que enverada pelos mesmos caminhos de António Damásio, direi que:

- A nossa percepção da realidade exige a participação da consciência.

- As percepções externas e internas do ser humano são dois lados da mesma moeda, absolutamente inseparáveis.

- Sem consciência, a matéria reside num estado indeterminado de probabilidade.

- O universo é perfeitamente ajustado para que haja vida nele, que tem um significado real, já que a vida cria o universo, e não o contrário. O universo é simplesmente a lógica espaço-temporal do ser.

- O tempo não tem existência real fora da percepção dos animais sensoriais. É o processo pelo qual percebemos as mudanças no universo.

- O espaço, como o tempo, não são objectos. São outra forma de compreensão humana e carecem de realidade independente. Assim, não há matriz absoluta da sua própria existência e independente da vida em que os eventos físicos ocorrem.

É em todo este contexto de percepção, que encaro a extraordinária e vasta obra de António Aresta, pessoa que muito estimo e por quem nutro especial Amizade.

Aresta é professor, isto é, alguém que professou, abraçou, aderiu à causa do Ensino, de educar, elucidar, esclarecer, e logo Filosofia. Mas isto não lhe basta. Será antes motivo para se ter lançado para outros planos de interesses, daqueles que nos segredam que não há apenas uma só realidade, mas várias, condicionadas pelas experiências de vida de quem ficou no rectângulo ou ousou saír, como muitos dos nossos maiores.

Mestre em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi professor em Macau durante onze anos, entre 1987 e 1998, tempo mais do que suficiente para que pessoas como ele, sensíveis, cultas e atentas, sorvessem o muito que por esse Lugar mágico existe.

Será exaustivo listar a sua extensíssima bibliografia de investigador nato e dedicado à Macaulogia. De qualquer modo citarei alguma obra:

A Educação Cívico-Política em Macau, 1989

A inovação Curricular no Ensino da Filosofia em Macau, 1993

Camilo Pessanha, Professor no Liceu de Macau, 1994

O Poder Político e a Língua Portuguesa em Macau [1770-1968]

Um relance legislativo, 1995

Manuel da Silva Mendes e a Poética do Taoísmo, 1995

O Neo-Confucionismo na Educação Portuguesa: Pedro Nolasco da Silva na História da Educação em Macau, 1996

Os Estudos Sínicos no Panorama da História da Educação em Portugal, 1997

José Miranda e Lima: Professor Rágio e Moralista, 1997

Falar Português: subsídio para a história do ensino da lingua portuguesa em Macau (1960-1968), 1997.

Monsenhor Manuel Teixeira e a História da Educação em Macau, 1998

Benjamim Videira Pires, um educador português em Macau, 1999

A Educação Portuguesa no Extremo Oriente, 1999

Joaquim Afonso Gonçalves, Professor e Sinólogo, 2000

O Professor Luís Gonzaga Gomes e a divulgação pedagógica da cultura chinesa, 2001

Manuel da Silva Mendes, Professor e Homem de Cultura, 2002

Álvaro Semedo e os exames na China Imperial, 2010

A Professora Graciette Batalha, 2010

Camilo Pessanha, 2011

Cinco Figuras do Diálogo Luso-Chinês em Macau, 2012

Figuras de Jade: os Portugueses no Extremo Oriente, 2014

Álvaro Semedo, 2015

D. Arquimínio Rodrigues da Costa, Bispo de Macau [1976-1988], 2016

Macau Histórico Cultural, 2016

Um filósofo em Macau no século XIX (Francisco Severino Rondina) 2016

Manuel da Silva Mendes, 2017

O Pensamento Moral de Leôncio Ferreira, 2017

Figuras de Jade II, 2019

 

A importância da investigação de António Aresta coloca-o ao mesmo nível de Manuel da Silva Mendes, com a diferença de que, tendo António Aresta saído de Macau, não só não permitiu que Macau dele saísse, como tem estado em Macau em toda a sua extensa obra.

É sempre de fora que as realidades surgem mais nítidas, porque os actores não se podem observar, apenas os espectadores e os investigadores.

E a investigação sobre Macau apossou-se de António Aresta, calcorreando pela investigação e subsequentes palavras, ruas, calçadas e vielas das histórias que compõem a História de Macau, esse Lugar onde a Miscigenação tem sido uma constante e o Macaense uma nação de indivíduos, todos geneticamente diferentes e todos iguais, e onde as milhares de narrativas se acumulam aos personagens, tantos, que é difícil enumerá-los.

Macau foi e é o paradigma do multiculturalismo, muito antes da existência do vocábulo que a aldeia global nos trouxe. O Macaense foi ao longo dos séculos o verdadeiro embaixador, portador, e usufrutuário da cultura portuguesa que soube legitimar, tornando-se o elemento conjugador, ambivalente, habitante de uma Cidade cujo sortilégio é indizível, mas cujo apelo se fixou em homens como António Aresta, inteiramente comparável a um outro homem do Norte, Manuel da Silva Mendes. Corremos o risco de entrarmos pelo plano da mitografia. Mas mesmo resistindo a ele, é imperativo reconhecer hoje o futuro daquilo que António Aresta é: uma voz fundamental para a historiografia de Macau, porque um investigador é um arqueólogo que navega nas águas da história e António Aresta é um navegante de alto mar.

A obra que já realizou, e onde se patenteia um rigor e uma riqueza histórica no resultado da pesquisa, alcandora-o a um lugar superior no plano dos pesquisadores e autores da Macaulogia, não apenas na qualidade como na quantidade da obra produzida.

Assim, fazer a apresentação de uma obra de alguém como António Aresta é tarefa ingrata porque esgota a adjectivação. Porém uma obra que continuamente se desenrola constitui uma esperança do aprofundamento e enriquecimento dos saberes sobre Macau, acabando por se constituir, involuntariamente no melhor do seu próprio elogio pela intenção, pela investigação e pelo alcance desta, porque é obrigação de todos saber que se trabalha sempre sobre o Passado para o Futuro, mesmo que o primeiro usufruto seja o Presente.

O meu interesse pelas culturas orientais, nomeadamente a Chinesa e a Nipónica, levam-me a acreditar que o muito está no pouco e que o maior dos elogios à obra de António Aresta não reside nestas modestas palavras, mas na certeza que tenho de que a sua obra transcenderá, em muito o devir, e será esse o maior elogio e reconhecimento para com António Aresta.

A este meu distinto amigo, resta-me humildemente dizer obrigado pela sua obra, e pelo futuro que vejo para ela, e ao Instituto Internacional de Macau, o meu aplauso pela visão de dar ao futuro a forma material neste nosso presente.