quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O VIRUS DA CURADORIA EM MACAU


Stefan Heidenreich publicou em Junho p.p., originalmente no German Daily Zeit um texto sobre a ainda recente moda das curadorias, dizendo a determinado passo:

Curar é antidemocrático, autoritário, opaco e corruptível. Sem fundamentação, sem discussão, os curadores escolhem os seus artistas e decidem onde e como mostrar o tipo de trabalho. Como é que, no mundo da arte onde é dada tanta ênfase à liberdade, todo o poder está concentrado nos autocratas das exposições?

Os efeitos da epidemia de curadoria não se limitam à exposição e ao impacto de todo o mundo da arte. Uma vez que curar tem sido - na verdade, não por tanto tempo - em torno dos artistas, estes adaptaram-se ao novo regime expositivo. Agora oferecem as suas obras sob todos o género de temas, já que os ditos curadores gostam geralmente de escolher um tema para "sua" exposição.

O resultado é a produção e exibição de arte "sobre algo". As dependências que há muito se supuseram terminadas estão de regresso. Formalmente, os artistas são autónomos, eles poderiam fazer o que querem. Os curadores, porém, podem fazer o mesmo. Com a subtil diferença de que este último decide o que realmente é exibido.

Feita esta citação dentro do panorama artístico internacional, com raras excepções de coristas locais com perna curta para a ambição de que são possuídas, e assim regressados a Macau, constata-se que, por aqui, onde nem mercado existe, o acto de curar (antes chamava-se comissariar) uma exposição de artistas locais parece consistir mais na importação de uma moda sem consciência do que ela acarreta, limitando-se a dita curadoria a um texto sobre o artista e pouco mais. E estas práticas parecem ter uma carga onanística porque são recíprocas; agora curo-te eu e depois curas-me tu. 

Como autor de exposições, nomeadamente de fotografia, tive sempre o privilégio de um prefácio ou texto introdutório, escrito por pessoas com suficiente erudição para mediarem entre imagens que se não explicam e a sua reconstrução visual, aceitando elas, sempre, as obras por mim seleccionadas. Nunca nos demos mal, eu e os brilhantes autores dos textos, não se me afigurando que tenha havido necessidade de outras intervenções.

Se por um lado compreendo a oportunidade do desafio de um curador a sério, sobre temáticas que concorde, cabendo-lhe a ele todo o esforço de conseguir patrocínios, local digno para exposições, selecção de artistas, textos, enfim, um trabalho deveras enorme como foi uma tentativa de exposição da Arte da Prata em Macau, uma herança revisitada, a apresentar em Lisboa, coisa que não caberia a nenhum autor realizá-la. Macau padece mesmo dos tiques da moda casada com o paroquialismo que nunca abandonou a urbe, e que é tão assustadoramente levada a sério.

Fiz uma curadoria que não foi exactamente isso. Escrevi um texto sobre a exposição do Filipe Dores, recusei-me a interferir na escolha das obras, e promovi o seu talento. Nada mais.
De resto, ao longo de décadas, comissariei tantas exposições que lhes perdi a conta. 
Agora, por favor, não me peçam para curar nada, porquanto não tenho pruridos em dizer, para a próxima, NÃO!!!

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